A vantagem de Joe Biden na reta final da eleição dos Estados Unidos põe em xeque a política ambiental do governo brasileiro. Sem esconder a predileção por Donald Trump, auxiliares diretos do presidente Jair Bolsonaro temem que um revés do republicano isole ainda mais o Brasil e amplie as pressões internacionais contra o desmatamento na Amazônia. O Itamaraty já se movimenta de forma discreta para se mostrar disponível à negociação em caso de mudança de comando na Casa Branca.
É consenso entre diplomatas que Biden manterá a pressão pública pela preservação da floresta se vencer a disputa presidencial. A volta dos democratas ao poder poderia forçar a gestão Bolsonaro a rever uma política ambiental contestada no Exterior.
Esse cenário evidenciaria o esvaziamento político do grupo "trumpista" do governo brasileiro, especialmente do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles — que propôs passar a "boiada" para flexibilizar a legislação ambiental —, e do titular das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. A lista inclui ainda o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, que já fez uma série de discursos sobre a Amazônia considerados do tempo da Guerra Fria.
Na sua principal referência ao Brasil na campanha, Biden propôs, durante debate com Trump, em setembro, impor sanções econômicas ao Brasil e prometeu angariar US$ 20 bilhões entre países estrangeiros para oferecer ao Palácio do Planalto, em troca de preservação.
— As florestas tropicais do Brasil estão sendo destruídas. Aqui estão US$ 20 bilhões. Parem de destruir a floresta! Se não, vocês terão consequências econômicas significativas — disse o democrata no debate transmitido pela TV americana.
Bolsonaro reagiu imediatamente. Afirmou que a declaração era "desastrosa" e indicava o fim da convivência "cordial e profícua". "Nossa soberania é inegociável. Lamentável, sr. Joe Biden, sob todos os aspectos, lamentável", escreveu o presidente no Twitter.
O chanceler Araújo já chamou Trump de "Salvador do Ocidente". Agora, o esforço é para calibrar o tom. Nas últimas semanas, o ministro disse que a relação se "reorganizará" se o democrata vencer. A rotina no Itamaraty mudou. Araújo deixou de convidar blogueiros pró-Trump para seminários virtuais promovidos pela pasta. Diplomatas de carreira passaram a ocupar o espaço dos extremistas.
Num dos encontros, o embaixador Pedro Miguel da Costa e Silva, secretário de Negociações Regionais e Bilaterais nas Américas, minimizou prejuízos diante de uma troca de governo.
— A agenda que estamos construindo é de interesse para os dois países — disse ele.
Essa agenda, segundo o diplomata, tem como base interesses "muito concretos" na área comercial e é cobrada pelos setores produtivos dos dois países.
Ricardo Salles, por sua vez, virou um peso para um governo em busca de moderação e até para o setor exportador do agronegócio. Vive agora atacando o vice-presidente Hamilton Mourão, os ministros Paulo Guedes (Economia) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Embora assessores observem que uma reforma ministerial depende mais da vontade de Bolsonaro do que de alterações de cenários internacionais, a eventual vitória de Biden tende a causar impacto na equipe brasileira.
A preocupação do candidato democrata com o clima agrada a uma ala do seu partido, que abriga distintos grupos liberais de centro e de esquerda críticos do governo brasileiro. Biden já anunciou que vai voltar ao Acordo de Paris — tratado no âmbito das Nações Unidas que rege medidas de redução de emissão de gases efeito estufa.
A vice na chapa de Biden, Kamala Harris, já havia previsto o tom da campanha democrata no ano passado, no auge das queimadas amazônicas. Ela sinalizou o bloqueio de acordos em negócios, como o almejado e ainda distante livre-comércio, barrado pela bancada democrata na Câmara.
— Enquanto a Amazônia queima, o presidente do Brasil, que copia Trump, permitiu que madeireiros e garimpeiros destruíssem o território e não está agindo — disse ela.
Na semana passada, o colombiano Juan Sebastián González, conselheiro de Biden para a América Latina, enumerou os aspectos fundamentais da diplomacia num futuro governo democrata: a política climática, o respeito aos princípios democráticos e aos direitos humanos.
— Qualquer pessoa, no Brasil ou em qualquer outro lugar, que pensa que pode promover um relacionamento ambicioso com os EUA enquanto ignora questões importantes, como mudança climática, democracia e direitos humanos, claramente não tem ouvido Joe Biden durante sua campanha — vaticinou González, ao comentar a relação com Bolsonaro.
Um importante secretário do Itamaraty disse ao Estadão que as relações de Bolsonaro com um governo democrata dependem de um contexto mais amplo. A ameaça chinesa aos negócios americanos no continente é uma aposta do lado brasileiro na moderação por parte de Biden. A relação ocorrerá, segundo ele, também num cenário de disputas dos EUA com a Europa, o que poderia significar uma possibilidade para o Brasil se reequilibrar.
A opinião é compartilhada pelo embaixador Everton Vargas, que serviu nas Nações Unidas e se dedica a tema ambientais.
— Biden não vai denunciar acordos celebrados. Os Estados Unidos têm todo o interesse em penetrar o máximo possível na América Latina, para evitar o avanço dos chineses — disse o diplomata, que atuou em negociações bilaterais com os americanos e coordenou a Cúpula das Américas.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.