Após meses de incerteza, empresários gaúchos esperam que, nos próximos dias, a desoneração da folha de pagamento seja prorrogada até 2021. Para isso, aguardam votação no Congresso que pode derrubar o veto do presidente Jair Bolsonaro à medida. Dirigentes de entidades afirmam que o impasse visto até aqui dificulta a elaboração do orçamento de empresas para o próximo ano, colocando investimentos produtivos e empregos em xeque.
O presidente do Congresso, senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), anunciou que pretende colocar em votação, na próxima quarta-feira (4), o veto de Bolsonaro. Hoje, a desoneração da folha contempla 17 setores intensivos em mão de obra, especialmente dentro da indústria.
O benefício voltou a ocupar o centro de debates em meados deste ano. Diante dos estragos provocados pela pandemia no mercado de trabalho, o Congresso estendeu essa política até o final de 2021 — a vigência acabaria em 2020. Entretanto, com o temor de perda de receitas, Bolsonaro vetou a prorrogação, a pedido do Ministério da Economia.
A decisão desagradou líderes de setores impactados, servindo de combustível para mobilização junto a parlamentares. Por meio da desoneração, em vez do pagamento de 20% sobre a folha salarial para a Previdência, empresas contribuem com percentual de até 4,5% sobre o faturamento.
Com tradição no Estado, o ramo calçadista é um dos que buscam a extensão da medida até 2021. A expectativa é de que o veto de Bolsonaro seja derrubado, diz Haroldo Ferreira, presidente-executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), com sede em Novo Hamburgo, no Vale do Sinos.
— O assunto já está mais do que atrasado. A morosidade, essa falta de definição, tem reflexos na avaliação de investimentos para o próximo ano. Ainda não sabemos qual será o custo do nosso produto a partir de janeiro. A extensão por um ano é oportuna para que, até lá, o governo faça uma reforma tributária — pontua Ferreira.
A Abicalçados calcula aumento de R$ 572 milhões nos custos das fábricas com o fim da desoneração no país, além da perda de cerca de 15 mil empregos — de 4 mil a 5 mil no Rio Grande do Sul. Durante a pandemia, o setor foi impactado pelo fechamento do comércio e pelas restrições no mercado internacional. Conforme a entidade, a indústria calçadista deve retornar, em 2020, ao nível de produção de 16 anos atrás no Brasil.
Por trás do veto de Bolsonaro, está a dificuldade fiscal vivida pelo país. Com a chegada do coronavírus, o governo federal teve de lançar políticas de estímulo à economia, incluindo o auxílio emergencial. Ao mesmo tempo em que reduziu as perdas da crise, a decisão elevou o endividamento.
Para bancar a desoneração e até ampliá-la para outros setores, o ministro da Economia, Paulo Guedes, ensaiou a criação de imposto sobre transações digitais. O eventual tributo foi apelidado de nova CPMF, esbarrando em críticas no meio político e na esfera empresarial.
Outro setor que defende a desoneração em 2021 é o de transporte de cargas. Caso seja mantida, a medida trará "diferença grande para o caixa" das companhias em meio à retomada da economia, relata Afrânio Kieling, presidente da Federação das Empresas de Logística e Transporte de Cargas no Estado (Fetransul).
— É algo importante para a questão de emprego e renda. Hoje, as empresas estão fazendo planejamento para o próximo ano sem a certeza sobre o que vai acontecer. É como em uma partida de futebol. Só ganhamos quando o jogo termina — compara o dirigente.
A construção civil reforça o coro em defesa da desoneração. O setor integra o grupo dos 17 ramos impactados pela medida.
— Nossa expectativa é pela manutenção da desoneração. A construção emprega mão de obra abundante — comenta Aquiles Dal Molin Júnior, presidente do Sindicato das Indústrias da Construção Civil no Estado (Sinduscon-RS).
Segundo ele, construtoras ainda aguardam o desfecho para elaborar o orçamento do próximo ano.
Entenda o tema
- A desoneração da folha de pagamento foi lançada no governo Dilma Rousseff (PT). A política chegou a atingir 56 setores da economia. Hoje, o número de atividades contempladas é menor, de 17.
- Com a desoneração, em vez do pagamento para a Previdência de 20% sobre os salários, as empresas contribuem com percentual de 1% a 4,5% sobre o faturamento bruto — o cálculo varia conforme o setor. A medida beneficia atividades intensivas em mão de obra.
- A desoneração terminaria neste ano, mas o Congresso aprovou, em junho, a ampliação da medida até 2021, em meio aos estragos provocados pela pandemia de coronavírus no mercado de trabalho.
- Em seguida, a pedido do Ministério da Economia, o presidente Jair Bolsonaro vetou a ampliação, gerando questionamentos de setores atingidos. A expectativa de empresários é de que o Congresso derrube o veto presidencial.
- O governo chegou a estudar a ampliação do programa de desoneração da folha, mas, em contrapartida, buscaria a criação de novo tributo sobre transações digitais. Esse eventual imposto, apelidado de nova CPMF, encontra resistência no Congresso e no meio empresarial.
- Pelo menos até o fim deste ano, a desoneração é válida para os setores de calçados, call center, comunicação, confecção e vestuário, construção civil, empresas de construção e obras de infraestrutura, couro, fabricação de veículos e carrocerias, máquinas e equipamentos, proteína animal, têxtil, tecnologia da informação, tecnologia da comunicação, projeto de circuitos integrados, transporte metroviário de passageiros, transporte rodoviário coletivo e transporte rodoviário de cargas.