O veto do presidente Jair Bolsonaro à prorrogação da desoneração da folha de pagamento para 17 setores da economia brasileira poderá intensificar demissões, desestimular investimentos e dificultar a retomada da produção nas fábricas no Rio Grande do Sul. Essa é a avaliação de entidades empresariais ligadas a setores com uso intensivo de mão de obra no Estado.
Dirigentes dos segmentos afetados pela decisão ainda tentam sensibilizar o governo federal a rever a postura e articulam movimentos junto a deputados federais e senadores para derrubar o veto de Bolsonaro à extensão do benefício até o final de 2021. A medida havia sido aprovada pelo Congresso dentro das discussões envolvendo a Medida Provisória (MP) 936, que permite a redução de jornada e a suspensão temporária dos contratos de trabalho.
Em vigor desde 2012, a política chegou a contemplar mais de 50 segmentos. Hoje restrita a um grupo menor de atividades e com validade até o final de 2020, a regra beneficia principalmente a indústria.
O economista-chefe da Federação das Indústrias do Estado (Fiergs), André Nunes, lembra que, no Rio Grande do Sul, antes da pandemia, as atividades contempladas pela medida empregavam 400 mil pessoas. Sendo assim, o dirigente vê o fim da desoneração como um fator que poderá reduzir competitividade e dificultar a recuperação das fábricas em meio à crise do coronavírus.
— O custo de produção ficará mais alto. Em alguns segmentos, o produto vai ficar mais caro para o consumidor. Em outros, a margem de lucro acabará reduzida — sintetiza.
Somente no setor calçadista o fim da desoneração representaria aumento de R$ 572 milhões nos custos das empresas e poderia levar ao corte de 15 mil empregos no país. Segundo a Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), responsável pelo levantamento, no Rio Grande do Sul seriam de 4 mil a 5 mil vagas a menos no setor.
— O impacto é muito grande para o setor calçadista. Estamos em plena pandemia, tentando nos reerguer. Não podemos levar mais um revés neste momento — afirma Haroldo Ferreira, presidente-executivo da Abicalçados.
Ferreira lembra que, inicialmente, a prorrogação da desoneração chegou a ser cogitada até 2022, mas após costura do governo junto aos parlamentares estabeleceu-se acordo para a extensão até 2021. Nesta sexta-feira (10), o dirigente da Abicalçados e outros industriais do grupo Coalizão da Indústria têm reunião marcada com o ministro-chefe da Casa Civil, Walter Braga Netto, e deverão reforçar o pedido para que o governo reveja o veto.
Setor de proteína animal projeta 20 mil empregos em risco
Na construção civil, outro setor que tem desoneração da folha, a decisão do governo Bolsonaro foi recebida com surpresa. O presidente do Sindicato das Indústrias de Construção Civil no Rio Grande do Sul (Sinduscon-RS), Aquiles Dal Molin Junior, afirma que as construtoras vivem situação delicada por causa da pandemia de coronavírus, com as atividades completamente paralisadas em Porto Alegre.
— Esse veto prejudica a recuperação das empresas. Ainda é cedo para avaliar impactos, mas é possível que isso induza ao aumento do desemprego no setor — estima.
O fim da desoneração a partir de 2021 ainda deve levar a cortes e impactar os planos de expansão de setores considerados essenciais durante a pandemia, como a indústria da alimentação. A Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) calcula que 20 mil postos de trabalho estariam em xeque. Além disso, o presidente da entidade, Francisco Turra, estima, que sem a prorrogação, as companhias irão rever planos de expansão que eram debatidos na esteira da expansão das exportações para a Ásia.
— Tivemos custos estratosféricos durante a pandemia para cumprir protocolos sanitários. Para nós, a prorrogação é vital. Estamos nos organizando via Congresso para a derrubada do veto — pontua Turra.
Neste contexto, a Frente Parlamentar da Agropecuária, que reúne mais de 200 deputados, já manifestou discordância ao veto de Bolsonaro. A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, também sinalizou a Turra posição favorável à prorrogação da política.
Governo federal vê reforma tributária como compensação
Ao vetar a prorrogação da desoneração da folha, Bolsonaro seguiu recomendação do ministro da Economia, Paulo Guedes, que não via efetividade na proposta. A justificativa da Secretaria-Geral da Presidência é de que "tais dispositivos acabavam por acarretar renúncia de receita, sem o cancelamento equivalente de outra despesa obrigatória e sem que esteja acompanhada de estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro".
Mas há tendência de que o veto seja derrubado no Congresso, conforme manifestou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Segundo o deputado, o fim da desoneração gerará, a partir de 2021, mais de R$ 10 bilhões em custos trabalhistas para os 17 setores que ainda utilizam essa política.
Na tentativa de manter o veto à prorrogação dessa política até 2021, o governo federal sinaliza a possibilidade de discutir o tema, sem distinção de segmentos, dentro do contexto da reforma tributária imaginada pelo Ministério da Economia. No entanto, entre os empresários de setores afetados pelo fim da desoneração da folha, a avaliação é de que dificilmente a reforma avançará até o final do ano.
Na percepção do gerente da assessoria parlamentar da Federação do Comércio de Bens e Serviços do Estado (Fecomércio-RS), Lucas Schifino, a desoneração da folha acaba concedendo tratamento diferenciado a determinados setores da economia. Nesse sentido, Schifino sugere que a discussão sobre tributação atinja os segmentos de maneira linear.
— A política veio no sentido de buscar desonerações pontuais para setores e vimos que isso não funcionou muito bem. Ela gera desequilíbrios econômicos, que não, necessariamente, produzem resultados — avalia.
No entanto, Schifino salienta que o momento para a retirada do benefício não é o ideal. Isso porque os setores contemplados pela medida já estão impactados pela queda da demanda na pandemia e teriam de arcar com um custo tributário maior a partir do próximo ano.
A abrangência
- Lançada em 2012 pelo governo Dilma Rousseff (PT), a política de desoneração da folha de pagamento chegou a contemplar 56 setores da economia
- A medida possibilita que as empresas contribuam com um percentual entre 1% e 4,5% sobre o faturamento bruto, dependendo do setor, em vez de destinar 20% de contribuição sobre a folha salarial para a Previdência Social
- Atualmente, a iniciativa ainda abrange 17 atividades, a maioria delas na indústria
- Ao menos até o final de 2020, utilizam o expediente os ramos de calçados, call center, comunicação, confecção e vestuário, construção civil, empresas de construção e obras de infraestrutura, couro, fabricação de veículos e carrocerias, máquinas e equipamentos, proteína animal, têxtil, tecnologia da informação, tecnologia da comunicação, projeto de circuitos integrados, transporte metroviário de passageiros, transporte rodoviário coletivo e transporte rodoviário de cargas