Mesmo antes de João Alberto Silveira Freitas, de 40 anos, ter morrido espancado em um supermercado Carrefour de Porto Alegre, a coluna já havia se proposto a fazer uma reflexão antirracista em decorrência da semana da Consciência Negra. Diante da morte de mais um homem negro, o papel das empresas na luta contra a discriminação racial se torna ainda mais importante. Nesta entrevista, Leandro Camilo, sócio e líder de diversidade e inclusão da PwC Brasil, empresa de consultoria e auditoria, cita dados de pesquisa global própria apontando que cerca de 30% das companhias participantes não têm lideranças focadas em diversidade e inclusão. Nas que têm, 42% dos colaboradores não conseguem identificar o que está sendo feito:
— Na PwC, abraçamos a causa racial de maneira estruturada. Em dois anos e meio, ampliamos nosso contingente de talentos negros (pretos e pardos) de 3,5% para 21%. Quando a inclusão é feita de forma genuína, sabemos onde buscar talentos. Promover a diversidade é possível com algumas ações, estimular a inclusão é um pouco mais complexo. Depois da contratação, é preciso adotar medidas para que a pessoa se sinta genuinamente incluída. Estamos avançando, mas ainda há muito a ser feito.
Por que ainda é difícil promover a diversidade racial nas empresas?
Esse desafio vem do fato de que as pessoas não aceitaram sua responsabilidade com esse reparo histórico. Na PwC, vemos como uma questão estratégia. Estudos comprovam que a diversidade ajuda as empresas a serem mais inovadoras, criativas, eficientes, a produzir melhores resultados e, consequentemente, mais lucrativas. Como muitas empresas ainda não entenderam isso, acabam tendo dificuldade de buscar talentos negros. A dificuldade vem do racismo estrutural. Trata-se de perceber que o talento negro, como qualquer outro, deve fazer parte da companhia para atingir os seus objetivos estratégicos e quebrar barreiras. Tem também a questão de vieses inconscientes que as empresas têm. Acreditam que estão fazendo o melhor no processo seletivo, no cuidado com os talentos e na ascensão na empresa. Porém, muitas vezes, isso carrega um viés, sob o ponto de vista do racismo estrutural, que faz com que a promoção dessa diversidade racial seja um desafio até hoje. Muitas empresas estão fazendo um trabalho relevante, mas ainda há caminho a ser percorrido.
Qual o papel das pessoas brancas na inclusão de profissionais negros nas organizações?
É muito importante, principalmente considerando que são maioria nas empresas, principalmente nas posições de liderança. Para tratar do tema de diversidade racial e entender o que pode ser feito neste sentido, as empresas precisam de certo letramento, um processo educacional forte. O papel das pessoas brancas é entender melhor o assunto, para compreender do que falamos e qual a situação atual do país, para reconhecer privilégios que lhes foram dados ao longo da vida. Podem atuar como aliadas das pessoas negras, engajando-se na pauta de equidade racial. É necessário ser empático, embora seja muito difícil se colocar plenamente no lugar de uma pessoa negra, pois quem não é não sabe o que cada pessoa enfrenta. No mínimo, é necessário se aliar a causa para dar força e tirar esses vieses, para que as pessoas possam se sentir acolhidas e, de fato, parte de uma organização.
Uma minoria vai questionar isso, alegando "racismo reverso", algo que beira a total falta de senso.
LEANDRO CAMILO
líder de diversidade e inclusão
Empresas como Magazine Luiza fizeram seleção exclusiva para pessoas negras, o que gerou acusações de segregação nas redes sociais. Por que ainda há reação negativa em parte da sociedade?
Não entendo que houve reação negativa, avalio que houve retorno muito positivo. O que existe são aqueles plantonistas que vão reclamar de tudo. Nós, na PwC, somos apoiadores de movimentos que focam na contratação de negros. Fizemos há dois anos um programa específico. Uma minoria vai questionar isso, alegando "racismo reverso", algo que beira a total falta de senso. Antes de falar nisso, deveriam discutir racismo estrutural. Se entendem que as oportunidades são iguais para pessoas negras e brancas, por que temos poucos pretos em cargos de liderança? Cerca de 54% da população do país é negra e, quando observamos as empresas, a sociedade não se vê representada. Apenas 5% das posições de liderança são ocupadas por pessoas negras. A maioria apoia e concorda com esses programas. O faz essa minoria entender que esses programas 'não são justos', talvez seja o desentendimento do conceito de justiça. Se esse conceito fosse entendido do ponto de vista do racismo estrutural, as pessoas não usariam a palavra injusto para classificar um programa de seleção destinado a uma população historicamente inviabilizada no mercado de trabalho, por diversos motivos.
As empresas brasileiras avançaram na pauta da diversidade nos últimos anos?
Não se pode negar o avanço, mas está longe de ser suficiente. Antes, pouco se discutia — algumas empresas, talvez, em um processo embrionário — sobre a necessidade de pensar em qual é nossa responsabilidade em relação a nossos talentos, sobre a comunidade negra ingressando no mercado de trabalho com possibilidade de carreira e exercício pleno da profissão. Hoje, muitas empresas estão engajadas, participando ou sendo aliadas. O assunto entrou na pauta de forma mais efetiva e verdadeira. À medida que as empresas começam a implementar planos táticos e estratégicos para cumprir sua responsabilidade em relação à pauta sob o ponto de vista social e estratégico a médio e longo prazo vão atenuar esse problema. Se vão resolver, o futuro vai dizer.
O nosso maior sonho é que, futuramente, não seja mais necessário existir área de diversidade nas empresas.
LEANDRO CAMILO
líder de diversidade e inclusão
Que ações as empresas devem adotar para tornar a agenda do antirracismo uma pauta constante?
A forma essencial é que cada um de nós, como cidadão, como empresário, se responsabilize, de fato, por essa lacuna civilizatória que sabemos que existe. Cada um de nós precisa assumir nossa responsabilidade com o reparo histórico que precisa ser feito na questão racial no Brasil. Alguns acontecimentos trouxeram mais luz ao tema. Com esse entendimento, esse movimento que precisa ser feito para que o negro tenha mais dignidade em toda a sua existência e, principalmente, no mercado de trabalho, ocorra de forma justa e igualitária.
Pela primeira vez na história, de uma vez só, Porto Alegre elegeu cinco vereadores negros. De que forma esse avanço no poder público pode ser refletido no setor privado?
É um movimento que vem se retroalimentando, essa ascensão das pessoas negras à vida pública, demonstrada nos resultados das eleições. E se reflete não só na questão racial, mas também no público LGBTQI+. Tivemos um avanço muito relevante no resultado. Isso também é reflexo do que as empresas estão fazendo, dada a relevância que o assunto teve nos últimos 18 meses. Quanto mais temos representatividade negra, mais fica claro que é importante ter diversidade em todos os contextos, todos os ecossistemas. O que traz de positivo é mostrar que a ascensão de pessoas negras vai resultar em uma pauta mais diversa. A eleição de pessoas negras é um incentivo para que se reflita nas empresas. É um caminho de duas mãos: o que acontece nas empresas também vai ser refletido na vida pública, para que, no futuro, não tenhamos de tratar de pautas de diversidade. Nosso maior sonho é que, futuramente, não seja mais necessário existir área de diversidade nas empresas.
*Colaborou Camila Silva
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