Mesmo depois de ouvir relatos de faturamento e lucro recordes em plena pandemia, a coluna se surpreendeu com o balanço do terceiro trimestre da Empresas Randon, de Caxias do Sul, que teve a maior receita e o maior lucro da história da empresa em um período de três meses. Nesta entrevista, Daniel Randon, CEO da empresa, detalha como foi possível obter esse desempenho, diz estar ainda otimista com 2021 e expressa preocupação com a fama do país de "vilão da natureza":
– A má imagem ambiental é um risco para a economia do Brasil.
Como foi possível uma virada tão rápida?
No início do ano, esperávamos um 2020 com bons resultados e mais estabilidade. Em março, abril, parecia um desastre total, com de 10% no PIB e empresas com grandes prejuízos. No final do ano, estamos preocupados com inflação e risco de escassez de matérias-primas. Foram três situações em um ano que levariam cinco para ocorrer em tempos normais. O agronegócio não parou e teve necessidade maior de transporte. O mercado nacional de implementos deve ficar muito perto do ano passado, pode ficar até acima. A exportação teve câmbio favorável, o que teve impacto positivo para nós. E o resultado do terceiro trimestre é o primeiro a incluir a aquisição da Nakata, que trouxe R$ 50 milhões de receita líquida. Também houve contribuições importantes do controle de gasto e inovação.
Como a Randon enfrenta a pressão de custos e a escassez de matérias-primas?
Temos uma uma unidade na China (da Fras-le, parte da Empresas Randon), que nos ajudou a antecipar aprendizados, como sobre riscos na cadeia. Tomamos todo cuidado na cadeia de fornecedores. Sabia que poderia haver problemas, ou porque não veio produto importado da China, ou porque colaboradores se contagiaram. Trabalhamos com dias a mais de garantia no estoque para enfrentar momentos de escassez. No terceiro trimestre, com demanda maior e pressão no câmbio, os preços subiram, como o do aço e de outras commodities. Trabalhamos muito nas negociações semestrais com as siderúrgicas.
Até o momento, não tivemos problemas graves (de escassez de insumos) a ponto de parar linhas. Conseguimos nos adequar.
Houve reforço de estoques?
Não diria reforço, foi mais atenção com fornecedor, até para não estocar demais. Até o momento, não tivemos problemas graves (de escassez de insumos) a ponto de parar linhas. Conseguimos nos adequar. Não vemos risco maior de falta de insumos ou matéria-prima, só questões muito pontuais. Deve se normalizar até o final do ano. A eleição de Biden tem mostrado mais calma no mercado, especialmente em relação ao dólar no mundo. Houve um pico de estresse, fez com que tenha uma inflação pontual. Vejo mais estabilidade, a não ser que governo force a continuidade da distribuição de dinheiro alto, que é o mesmo que imprimir papel (cédulas de real). Foi necessário um momento de ajuda para combater a covid. Tem de mostrar que, passando essa fase, as contas se equilibram.
A empresa repassou reajustes?
Conseguiu repassar parte, outra absorvemos com ganhos de produtividade, revisão na produção, maior automação, desenvolvimento de novos materiais. Pesquisamos compósitos que permitem maior aproveitamento de carga. Do nosso faturamento, 80% são produtos desenvolvidos nos últimos cinco anos, o que significa que trabalhamos com bastante inovação. Havia forte redução de preços no setor desde 2015. Antes, montar um semirreboque exigia três pessoas ao mês, agora é só uma por mês.
Foi um pouco triste, porque ninguém gosta de sair de um negócio, mas ficamos felizes por passar os ativos para uma empresa do Sul. Não se pode ganhar todas. É preciso humildade para dizer 'até aqui foi bom'.
Como foi a decisão de encerrar a Randon Veículos?
É algo que as empresas têm de fazer quando não há foco para tocar algum negócio. Essa unidade compete no segmento de infraestrutura e construção civil com gigantes globais. Precisávamos investir pesado ou encontrar alguém com esse foco. Fizemos esforço para que não fechasse nem fosse para fora do Estado. Conseguimos encontrar um comprador, a Müller, de Gravataí. Foi um pouco triste, porque ninguém gosta de sair de um negócio, mas ficamos felizes por passar os ativos para uma empresa do Sul. Não se pode ganhar todas. É preciso humildade para dizer 'até aqui foi bom'. Aprendemos muito, formamos líderes que estão até hoje no grupo, absorvemos a maior parte das pessoas. Não é uma saída que deixa carimbo ruim. Vamos continuar a investir em novos negócios, como a Randon Tech Solutions (RTS), que vai fornecer soluções, máquinas especiais e manufatura 4.0 (a empresa foi lançada em outubro e deve começar a operar em 2021). Neste ano, também lançamos a Randon Ventures, para investir em startups, além do Conexo, que vai se focar em inovação aberta, focado em soluções para a Randon e outros parceiros.
A Randon fez muitas aquisições nos últimos anos, pretende seguir comprando empresas?
Nossa alavancagem (endividamento) está em 1,8 vezes (em relação ao patrimônio líquido), temos um bom caixa. Isso nos dá segurança e não tem demanda de ir a mercado para buscar financiamento. Nossa última compra foi a de 250 robôs, com a liquidação do parque fabril da Ford. que fez surgir a ideia da RTS. A empresa foi criada só para ajudar a Randon a aprimorar a inovação, pretende desenvolver soluções e novos negócios para terceiros. No curto e médio prazo, não temos nada alinhado, mas se estiver dentro da estratégia, olhamos sempre que oportunidades aparecem.
Não se pode ir contra a tendência mundial. A má imagem ambiental é um risco para a economia do Brasil. Pode provocar sanções, o que ninguém quer.
Como a Randon está se planejando para 2021?
Estamos olhando ainda com otimismo, se não tiver segunda onda de pandemia no Brasil. As vacinas devem começar a aparecer. Temos indicativos de que o agro ainda estará muito forte, os de PIB também são importantes. Se houver alguma reforma até o final do ano, ajuda.
É possível apostar nisso?
O (Rodrigo) Maia (presidente da Câmara dos Deputados) vai querer fechar seu mandato com algo mais resolvido. Se aprovar um orçamento consistente, que dê segurança de que o Brasil vai cuidar da questão fiscal, haverá mais investidores interessados nas privatizações ou concessões de infraestrutura. Há muita expectativa com investimento em ferrovias, que está muito aquém da média histórica. O Brasil precisa investir mais em infraestrutura, hoje não chega a 2% do PIB. Com privatizações e concessões, dá para chegar aos 4%. É viável, mas o Brasil tem de estar alinhado, o risco fiscal representa mais dificuldade de atrair investidores.
A imagem do Brasil como vilão ambiental dificulta essa atração e os negócios de empresas como a Randon, que tem negócios no Exterior?
A Randon sempre teve foco em ESG (conceito que une boas práticas ambientais, sociais e de governança). A Fras-le foi uma das primeiras empresas de fricção no mundo que adotou a ISO 14.000, trabalhou com ideia de ter zero desperdício. Os novos materiais que desenvolvemos são mais recicláveis, menos impacto ambiental. Ninguém quer se associar a marcas com má reputação. Há risco alto de a questão ambiental ser usada como forma de criar barreiras para negociar. Empresas e governo têm o papel de preservar o ambiente e a segurança das pessoas. Não se pode ir contra a tendência mundial. A má imagem ambiental é um risco para a economia do Brasil. Pode provocar sanções, o que ninguém quer. É um momento em que os ânimos estão acirrados no mundo, tem de cuidar um pouco mais desse tema.