Foi durante o Carnaval que o surto de coronavírus iniciado na China assumiu dimensão de risco de crise global. A doença provocada pela nova cepa que começou em Wuhan em dezembro ganhou atenção do planeta e do mercado financeiro quando foi confirmado o primeiro caso nos Estados Unidos, há um mês. Veja a sucessão de episódios que agravaram a percepção sobre as potenciais perdas econômicas com a disseminação do vírus e entenda que a reação nas bolsas e nos preços de mercadorias comercializadas no mundo inteiro vai além da especulação do dia a dia.
1. A informação sobre o primeiro caso da doença nos EUA chamou a atenção sobre o que estava ocorrendo na China: viagens canceladas durante o maior feriado do país e extensão na interrupção na produção das fábricas locais. Consequência: a economia chinesa sofreria com o freio e cresceria menos, projetando efeitos sobre as demais economias.
2. Sem sinais de normalização rápida da situação na China, começaram as tentativas de dimensionar as perdas. Shaun Roache, economista-chefe da divisão Asia-Pacífico da agência de avaliação de risco Standard &Poor's, estimou que uma queda de 10% apenasa nos gastos de transporte e entretenimento gastos cortaria 1,2 ponto percentual do do PIB do país.
Consequência: se uma das locomotivas terá um impacto tão forte, provocará efeito-dominó nas demais.
3. O temor de contágio começou a contaminar os negócios da economia real. Empresas que têm clientes e fornecedores na China passaram a rever planos, cancelar viagens e adiar negócios. Os chineses são os maiores parceiros comerciais do Brasil e de boa parte das demais economias. Se teve impacto no Rio Grande do Sul, como a coluna mostrou, o mesmo ocorreu em várias latitudes.
Consequência: as perdas cruzaram as fronteiras da China antes mesmo que o vírus o fizesse de maneira significativa.
4. Como a China se tornou fabricante quase monopolista de insumos para a indústria eletroeletrônica, a freada no país afetou fabricantes que dependem desse fornecimento. Da poderosa Apple a indústrias gaúchas, a falta de atividade nas fábricas chinesas passou a comprometer linhas de produção e prazos de entrega. A Samsung foi obrigada a paralisar uma de suas unidades para prevenir novos casos. Consequência: o temor de perdas se transferiu para a economia real, nas linhas de produção, especialmente relacionado a uma possível quebra na cadeia mundial de suprimentos.
5. O surgimento de um foco na Europa, especificamente no norte da Itália, na última segunda-feira (24), fez as principais bolsas de valores reagirem com comportamento só visto em crises financeiras globais, com quedas superiores a 4% na Europa e a 3% nos Estados Unidos. O contágio chegou aos preços de matérias-primas básicas que têm consumo associado ao ritmo de crescimento, como petróleo e minério de ferro. Consequência: a avaliação dos desdobramentos do surto de coronavírus subiu a outro patamar, tanto do ponto de vista sanitário quanto econômico.
6. A confirmação de um caso de doença provocada por coronavírus no Brasil ocorre no mesmo dia em que o mercado financeiro retoma atividades no país depois do Carnaval. Nesta manhã de Quarta-feira de Cinzas (26), a bolsa já caiu cerca de 6% na primeira hora de negociação, chegando a 107.777 pontos. O dólar sobe com mais moderação – menos de 1% na primeira hora – depois que o Banco Central anunciou leilão extraordinário de contratos que protegem contra a variação cambial. O clima interno agravado pelo mal-estar instalado em Brasília com o aparente apoio do presidente Jair Bolsonaro a uma manifestação contra o Congresso.
Consequência: se o Brasil já enfrentava dificuldades em acelerar o ritmo de crescimento, a combinação entre o surto de coronavírus e o novo episódio de estremecimento institucional vai impor desafios ainda maiores.