Primeiro ministro do Meio Ambiente da história do Brasil, Rubens Ricupero acompanha com tristeza não só as queimadas na Amazônia, mas a terra arrasada para a imagem internacional do Brasil, que restou da escalada de rejeição global à política ambiental do governo Bolsonaro. Lamenta a perda de um esforço de 30 anos, que começou em reação a outra crise, a do assassinato do ambientalista Chico Mendes:
– O dano está feito. O agronegócio vai sofrer, será preciso correr atrás do prejuízo. O esforço que antes seria para abrir novos mercados terá de ser feito para recuperar terreno perdido – disse neste domingo (25) à coluna, diante da ajuda prometida pelo G7 (grupo dos sete países mais ricos do planeta), que, avalia, será condicionada.
Para Ricupero, o pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro na sexta-feira, apesar de representar uma mudança de discurso, não basta:
– Tem de mudar a política, substituir o antiministro.
É como chama o titular do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Até provar que o Brasil mudou, projeta, o acordo entre Mercosul e União Europeia deve ficar "na geladeira". Nos próximos dias, lembra, vai começar o exame das políticas ambientais para adesão do Brasil à Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) – grande ambição do governo Bolsonaro.
Quais serão as consequências da crise de imagem do Brasil?
Depois da primeira reação muito forte, os governos tendem a dar uma resposta mais diplomática. Mas não creio que vá haver melhora no clima para aprovação do acordo com o Mercosul. Enquanto durar o impacto das queimadas, vai ficar na geladeira. A Comissão Europeia tem interesse em aprovar, porque negociou o acordo, mas não tem maioria. Vai haver aliança entre os Verdes e a esquerda, mas também dos mais conservadores, ligados à agricultura. Mesmo em condições ideais, se não tivesse havido nada disso, a aprovação seria arriscada. Nas condições atuais, a dinâmica indica que vai demorar muito. Vão deixar o acordo na geladeira até que baixe a poeira e fique clara uma mudança efetiva.
Tem de mudar a política. Para isso, tem de mudar o homem que colocou no ministério. Ele nomeou o que chamo de antiministro.
É possível contar com essa mudança?
O presidente foi muito leviano. Durante meses, acumulou provocações. Quando houve reação, o governo se assustou. O pronunciamento lembrou os da Dilma (Rousseff, ex-presidente), era escrito e lido. Não falou com sinceridade. Ele mudou inteiramente, passou a dizer coisas que nunca disse. Soou tão artificial que houve panelaços. Foi muito significativo porque ocorreram, em geral, em bairros que votaram nele. A mudança de discurso não basta. Tem de mudar a política. Para isso, tem de mudar o homem que colocou no ministério. Ele nomeou o que chamo de antiministro. Está lá para desmontar. Não sou eu que estou dizendo. Antes de tomar posse, ele queria suprimir o Ministério do Meio Ambiente, transferir para o Ministério da Agricultura. Acabou não fazendo porque o setor ruralista e a própria ministra escolhida (Teresa Cristina) não quiseram. Bolsonaro disse, na época, 'esperem só para ver quem vou colocar no ministério'. Escolheu um indivíduo que foi condenado em São Paulo por improbidade administrativa em questão de mineração. Colocou no Ibama e no ICMBio dois oficiais da PM de SP que não têm qualificação. O próprio Bolsonaro disse, repetidas vezes, que havia no Ibama uma indústria de multas. Isso é falso, 97% das multas não são pagas porque as pessoas recorrem à Justiça. Desencorajou e criticou seguidamente os fiscais do Ibama. Inclusive mandou punir o que o havia multado. Ele tem obsessão antiambiental.
Vê conexão entre esse caso e a política ambiental?
Ele lembra aquilo que os psicanalistas chamam de governantes que se conduzem por ressentimento. O exemplo mais importante é do Adolf Hitler. Quando fiscais do Ibama desarticularam uma operação de madeireiros ilegais e destruíram, conforme a lei prevê, o equipamento que usavam, o presidente e o antiministro tiveram um acesso de cólera. Desautorizaram publicamente, disseram que os fiscais tinham primeiro de fazer uma ação educativa. Todos os governos anteriores, com maior ou menor eficácia, combateram o desmatamento. Esse é o primeiro que, desde o começo, deixou claro que era contra a fiscalização e mandou todos esses sinais. Não são só palavras, são atos.
Daqui a alguns dias, o comitê de Meio Ambiente da OCDE vai começar o exame das políticas ambientais brasileiras em Paris.
Do que vai depender a recuperação da imagem?
Para ficar satisfatório, do ponto de vista internacional, tem de mudar a política. Por aqui é assim, quando há celeuma, cria um ministério, manda o Exército. Quando passa, volta tudo. Ele tem de mudar o antiministro, tem pôr de volta os funcionários. O Congresso tem de parar de querer aprovar projetos como o que tramita no Senado, de iniciativa de Flavio Bolsonaro, que acaba com a reserva legal. Se isso não acontecer, não vai adiantar nada. Daqui a alguns dias, o comitê de Meio Ambiente da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) vai começar o exame das políticas ambientais brasileiras em Paris. O Brasil está mandando uma delegação chefiada pelo antiministro. Como o Brasil vai querer entrar na OCDE se não mudar de política? O dano para o Brasil já está feito. Mudar vai ser difícil.
Qual a intensidade do desgaste?
Fizemos um esforço de mais de 30 anos. Era assessor especial do Sarney quando assassinaram Chico Mendes. Houve a primeira grande campanha sobre a destruição da Amazônia. Sarney teve resposta muito adequada, ofereceu o Brasil para ser sede da Rio 92. Teve atitude proativa, não defensiva. E o Collor, que o substituiu, levou adiante. Na época, o Brasil recuperou parte da imagem. Claro que continua a haver invasão de terras indígenas, garimpeiros que envenenam água, o assassinato da Dorothy Stang. Sempre houve barbaridades, mas a gente conseguia neutralizar um pouco. Houve um segundo momento de melhora, quando caiu o desmatamento, a partir de 2004/2005, que em grande parte se deve a Marina Silva. Agora, jogamos tudo fora. Foi um esforço de 30 anos que se perdeu. Uma coisa que pessoas não entendem, nem no Brasil nem lá fora, é que não é o governo que desmata. São atores privados, grileiros, pecuaristas, madeireiros ilegais. O papel do governo é impedir. Basta cruzar os braços, amarrar os fiscais, para que o desmatamento aumente. Ao desmantelar o aparato fiscalizador, o governo permitiu que ficasse fora do controle.
O agronegócio vai sofrer dano considerável. Agora, vai ser preciso correr atrás do prejuízo. O esforço que antes seria para abrir o mercado, terá de ser feito para recuperar terreno perdido.
O que se pode esperar da ajuda do G7?
A questão é a credibilidade do governo brasileiro, que jogou fora dinheiro da Noruega e da Alemanha. Rondônia e Acre só têm equipamentos como helicópteros e aviões com recursos do Fundo Amazônia. Tudo isso é uma crise desnecessária. O presidente tem essa obsessão antiambiental. Ele é o autor pessoal dessa crise. Se não mudar a política, não cessa. E não é só com a Europa, é na Ásia, nos Estados Unidos. Ainda que o (presidente Donald) Trump seja aliado, quem dá a última palavra sobre comércio é o Congresso americano. Ele mudar o Nafta (Acordo de Livre Comércio da América do Norte, na sigla em inglês, que reúne EUA, Canadá e México). Foi obrigado a reforçar cláusulas ambientais e trabalhistas, por exigência do Congresso. E, mesmo assim, estão ameaçando não aprovar. Imaginar que o Brasil possa continuar com essas políticas em relação aos indígenas, à mata, e obter alguma vantagem comercial com os EUA é não conhecer a situação real. O agronegócio vai sofrer dano considerável. Agora, será preciso correr atrás do prejuízo. O esforço que antes seria para abrir o mercado terá de ser feito para recuperar terreno perdido.