No núcleo racional do governo federal, havia um acordo: evitar tomar qualquer iniciativa, no início do mandato, que representasse perda de capital político para o presidente Jair Bolsonaro. Parece que faltou combinar com o próprio. Até o início da tramitação da reforma da Previdência na Câmara dos Deputados, quem mais provocou erosão no capital político foi o próprio presidente, ajudado pelos ministros do núcleo fundamentalista.
E não precisava muito: desde a reta final da eleição, o mercado financeiro aderiu 100% a Bolsonaro, assim como nove em cada 10 empresários. Houve uma rara aliança entre investidores, especuladores e empreendedores. Só baseados nos resultados da eleição, os índices de confiança reagiram com vigor. Alguns se cruzaram a fronteira entre o pessimismo e o otimismo, outros ao menos se aproximaram.
Cabia ao presidente recém-eleito apenas reger a orquestra e conduzir o projeto que esses dois segmentos apoiam quase que incondicionalmente, a reforma da Previdência. Bolsonaro cumpriu o rito, levou pessoalmente a proposta à Câmara dos Deputados, primeira etapa de tramitação da proposta.
Feito isso, o presidente adotou o discurso “minha parte está feita, agora é com o Congresso”, que já repetiu ao menos três vezes nas últimas semanas. Como um deputado federal do baixo clero virou refém do discurso da “velha política” – associada ao toma lá dá cá, portanto à corrupção, é um tema ainda a ser aprofundado.
Entre agentes do mercado financeiro, a aprovação de Bolsonaro despencou de 86% em janeiro para 28% em abril, conforme a XP Investimentos. Além disso, cresceu a percepção de analistas que de, em vez de ganhar apoio no Congresso para a reforma, o presidente perdeu. Conforme o Barômetro do Poder do InfoMoney, site focado no segmento que pertence à XP,
a base teórica do governo teria perdido 41 deputados e sete senadores. Ainda teria 201 aliados na Câmara e 31 no Senado, mas precisará de esforço maior ainda para aprovar a reforma.
Depois que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) disse ter “perdido as condições” de ser articulador da reforma, atribuindo as causas da perda claramente a Bolsonaro, os ministros Paulo Guedes, da Economia, e Sergio Moro, da Justiça, parecem dispostos a assumir esse papel em conjunto. Cem dias, sem foco.