Ele começou a trabalhar aos oito anos, vendendo produtos de catálogo da Hermes, que dominava o mercado de venda direta. Tornou-se dono do banco Agibank. Marciano Testa nasceu em Fagundes Varela e abriu uma startup em 1999, quando não havia suporte a investimentos de risco.
Primeiro no país a identificar uma conta corrente pelo número de celular do cliente, seu banco é também uma empresa que desenvolve tecnologias próprias. Para o próximo ano, planeja fazer um IPO (abrir capital) do Agibank, provavelmente em Nova York. Estuda se será na bolsa tradicional (Nyse) ou na de tecnologia (Nasdaq).
Como foi a história do menino de Fagundes Varela que criou um banco tecnológico?
Foi muito desafiador. Fagundes Varela, quando nasci, era distrito de Veranópolis. Hoje tem 2 mil habitantes. Comecei a trabalhar com oito anos. Família de seis irmãos, muito pobre.
Minha primeira startup foi se virando na escola. Lembro que virei um dos top tens dos vendedores da Catálogos Hermes, nem sei se existe. Vendia aquilo tudo na cidade para poder ajudar a família. E outros subempregos. Até que me emancipei com 16 anos para abrir minha primeira empresa, que era um negócio de varejo, em Caxias do Sul.
Esse negócio derivou para um modelo de atacado, distribuição de alimentos. Com 19 anos, já tinha caminhões e funcionários. O negócio não deu certo. Foi a primeira faculdade de aprendizado de gestão. Tive que me reinventar de novo. Trabalhei até de motoboy para pagar a faculdade e sobreviver.
Aí lembro que vi um anúncio de distribuição de crédito para aposentados e funcionários públicos, que era um incipiente consignado. Vim para Porto Alegre para ver como funcionava. Eram financeiras. Era o início da internet. Sempre fui autodidata em tecnologia e fiz a programação de um site, onde anunciava a divulgação destes produtos financeiros.
Hoje, os termos startups e fintechs têm glamour. Os jovens são atraídos como um propósito de vida para trabalhar nisso. Antes, era trabalhar em uma pequena empresa e sem capital. Ninguém queria.
MARCIANO TESTA
Presidente do Agibank
Fui pegando a representação de outros bancos. Criei uma plataforma de distribuição de produtos de marketplace, de outros bancos. Agreguei canais de destruição com agentes de crédito.
Criei um exército no Brasil. Na época era a Agiplan. Se tornou a maior distribuidora de crédito consignado no Brasil. Originávamos mais de R$ 500 milhões por mês.
Isso chamou a atenção do Bradesco. Em 2009, começamos a negociar e, em 2010, eles fizeram proposta. Eles pagaram pela exclusividade e passamos a ofertar apenas produtos do Bradesco. Esta carteira chegou perto de R$ 10 bilhões de crédito. Recebemos até hoje por isso, o que deu deu capital para tentar uma fintech, que testava modelagens de crédito paralelas a este negócio. Hoje, os termos startups e fintechs têm glamour. Os jovens são atraídos como um propósito de vida para trabalhar nisso. Antes, era trabalhar em uma pequena empresa e sem capital. Ninguém queria. O ecossistema para fomentar um pequeno negócio era terrível. Tinha de ter muita resiliência para passar este obstáculo e atrair talentos era muito difícil. Hoje se traz alguém com MBA no Exterior e ele vem direto trabalhar em fintech ou startup. É glamouroso.
O que mudou quando a empresa se tornou um banco?
Foi o período mais duro do Brasil na questão regulatória. Logo após o Proer, quando houve consolidação do sistema financeiro. Foi o programa de salvamento de bancos. Tinha o processo inflacionário. Todos os bancos viviam do overnight. Pegava o depósito, emprestava para o governo e vivia daquilo.
Quando acabou a inflação, a taxa de juro caiu. Os bancos se viram sem emprestar dinheiro. Houve a necessidade de ir ao mercado emprestar dinheiro e isso muitos poucos sabiam fazer. Então, houve uma quebradeira geral e veio essa consolidação. Com isso, suspenderam a autorização de novos bancos. Foi muito difícil ter a primeira licença, que foi de financeira, de 2009 para 2010.
Hoje mudou completamente. O Banco Central está aberto, criou modalidades novas de fintechs, com licenças mais brandas. Não precisa ser um banco completo. Pode ser apenas uma empresa de empréstimo, de captação de depósitos, de pagamentos. Foi um momento difícil, mas via que os bancos iriam se tornar digitais. Em 2014, lia reportagem sobre a venda do WhatsApp para o Facebook. Tive um insight. Estudando a tecnologia do WhatsApp, que usa o telefone celular como meio de interconexão. O insight foi de transformar o número de celular em uma conta corrente. Nossa conta digital funciona assim. Isso facilita a transferência entre pessoas e cresce de forma exponencial. Temos mais de 1,2 milhão de contas.
O IPO do banco sai? E aqui ou nos EUA?
Um IPO tem uma curva de aprendizado. No ano passado, rodei mais de 15 cidades ao redor do mundo, falando de Brasil, do Agibank, do potencial do mercado brasileiro. A nossa plataforma teve uma demanda muito grande. Tínhamos como certo o IPO. O valor de mercado é algo que a gente não estabelece nada: eles dizem se querem e a que preço. Então, há um aumento global de tech, uma moda.
Falo com investidores globais e não há a mínima chance de entrar capital no Brasil sem a reforma da Previdência. Esse é o gatilho para o pais decolar de novo.
MARCIANO TESTA
Presidente do Agibank
Após maio foi desencadeado um processo global, principalmente aqui, uma ressaca de techs. De junho, que era o mês de precificação, até o final do ano, teve uma desvalorização de techs de mais de 30%. Era um cenário terrível e, dentro de casa, pior ainda. Fica difícil uma oferta. São coisas que não se controla. Isso depois de um grande trabalho de explicação de para que precisávamos do capital.
Como não houve essa entrada de capital, estávamos revendo a estratégia. A bolsa chegou a 100 mil pontos, mas foi um um movimento interno.
O estrangeiro não está vindo. Estou participando de todos as conferências globais de bancos de investimento. Falo com investidores globais e não há a mínima chance de entrar capital no Brasil sem a reforma da Previdência. Esse é o gatilho para o pais decolar de novo.
É muito claro na cabeça do investidor que pode ter cenário favorável, ânimo, mas para destravar de fato a vinda de capital de longo prazo, é a reforma. O que vemos agora é o investidor local, machucado com a taxa de juro de 6% ao ano, indo para a bolsa. Estão em fundo em multimercados e acabam alocando em bolsa, para dar uma equilibrada com o câmbio.
Mas o IPO será retomada? E onde?
Essa corrida global demanda muito capital. Temos duas estratégias. O nosso negócio atual, como o Agibank está hoje, tem 610 pontos físicos no Brasil. Em todas as cidades acima de 100 mil habitantes do país. Ou a gente continua com esse negócio que o banco tem — e que dá um importante resultado e tem capacidade de investimento, mas que é limitada — ou busca um cenário melhor de mercado, principalmente fora do Brasil.
Estamos avaliando o IPO na Nasdaq ou na Nyse e buscar esse capital. Quando se é um banco, não mais uma fintech, o investidor quer retorno. Tem de olhar essas variáveis, porque crescimento não combina com resultado. Quanto mais cresce, mais agride o seu resultado.
(Pergunta feita pelo publicitário Nenê Zimmerman)
Também sinto no empresário brasileiro medo. E uma não vontade de investir. Vê isso?
Há poucos dias, todos estavam mais otimistas. Semana passado o economista-chefe da Verde Asset foi fazer um encontro para cientes nossos, investidores. Eu não vi o Luis Stuhlberger (gestor do fundo Verde) otimista com o Brasil nos últimos 10 anos. E o Verde, um dos maiores fundos do brasil, está com 25% (do capital investido) em bolsa brasileira. Isso é uma chancela. Mas falando com ele depois... Olha o que aconteceu nas últimas semanas. É a bagunça brasileira. Somos gatos escaldados.
Por isso, que até ver essa reforma aprovada, é um otimismo mais de cenário, de clima, mas é muito difícil. Estive em Brasília com a equipe econômica do Paulo Guedes. O que eles têm planejado para depois da Previdência é surpreendente. Mostraram quais são os próximos passos. Mas o estopim é a Previdência. O déficit é gigantesco, e não só da União. Se não passar a reforma, em três anos mais de 10 Estados estarão pagando salário com precatório. Inclusive o nosso. Não sei como vão pagar os aposentados.
Há custo extra por ter sede em Porto Alegre?
Há ônus e bônus. O banco tem 3,6 mil funcionários, dos quais 1,5 mil são no RS. Mas só 8% dos negócios são feitos aqui. Todo o resto fora, principalmente Sudeste. Mas 85% das nossas ações trabalhistas são no RS. Temos um judiciário com viés.
Há também as ações propostas aqui por órgãos de defesa, etc. Querem ditar um modelo, uma ordem de como temos que operar nacionalmente. Aqui os sindicatos são muito fortes, como o dos bancários. As pessoas trabalham 11 meses e pagamos 15 salários. Mas também temos um celeiro de capital humano. Os três parques tecnológicos — Tecnosinos, Tecnopuc e da UFRGS — são cases globais. Formam pessoas fantásticas.
Você também está envolvido em iniciativas com o do Pacto Alegre, para reter pessoas. Faz por retribuição?
Porto Alegre é celeiro de formação de capital humano muito forte, mas estamos com problema de retenção. Se olhar o ranking de competitividade dos Estados, o indicador de capital humano é o que vem decrescendo todo ano. É o nosso pior indicador.
(Pergunta feita pelo presidente-executivo do Grupo RBS, Claudio Toigo Filho).
Como ficam os bancos neste mundo que está tentando eliminar a intermediação?
O peer-to-peer (empréstimo sem participação de bancos) globalmente cresceu muito. Mas há dois aspectos: o Brasil tem questões normativas. Aqui, uma pessoa não pode empresar dinheiro para outro acima da taxa de 1% ao mês. Tem a questão da lei de usura, que impossibilita isso. Quando olhamos os cases globais, você está transferindo risco daquela operação de crédito entre tomador e o aplicador para quem está emprestando.
Há possibilidade de ganhos diretos sem o banco, mas tem que assumir este risco. Uma questão cultural que é uma barreira a ser superada é que as pessoas são acostumadas a transferir o risco para o banco.
MARCIANO TESTA
Presidente do Agibank
Tem que ficar bem evidente nestas plataformas o seguinte: há uma série de pessoas demandando crédito e cada um tem um risco. Há possibilidade de ganhos diretos sem o banco, mas tem que assumir este risco. Uma questão cultural que é uma barreira a ser superada é que as pessoas são acostumadas a transferir o risco para o banco. Que faz a análise para emprestar o dinheiro. Mas há outras transações que terão a desintermediação.
Recentemente a IBM lançou uma plataforma de blockchain, em que os bancos podem aderir, com uma moeda que ela chama de Stellar. Você pode fazer uma transação, mandar dólares ou euros para qualquer pessoas que esteja nos EUA, sem passar por um banco. Hoje isso é extremamente complexo e caro.
Como funciona a tecnologia de reconhecimento da placa do carro para pagar combustível?Commodity, a gente adquire. Não vamos aplicar inteligência para desenvolver sistema de contabilidade. Mas tudo o que é inovação, temos que desenvolver.
Na sede do banco, 60% são pessoas de tecnologia. Você cadastra o carro para fazer o seu pagamento. Temos dois postos de combustíveis fazendo o piloto desta tecnologia, aqui em Porto Alegre. É gratificante ver que conseguimos desenvolver aqui tecnologias que podem ser usadas em grande escala para pagar estacionamento, pedágio, abastecimento. Você cadastra a placa do seu carro e é debitado automaticamente, na conta corrente ou no cartão.
O que impede a queda do juro na ponta?
O Brasil tem uma série de problemas. Para o preço de um produto, se leva em consideração não apenas o custo de compra da matéria-prima. No caso do banco, a taxa básica é um componente. Captamos pela Selic e emprestamos a outra taxa. O que compõe esse spread? Primeiro, os bancos têm a maior tributação do Brasil. Pagamos 45% de imposto de renda, todos os tributos federais.
Segundo, não existem garantias no Brasil. É muito difícil retomar um bem. Uma casa se retoma em 30 dias nos EUA. Aqui, o judiciário vê como o grande banco que ganha dinheiro, contra o impotente. Isto tudo está no preço.
Outro ponto seria separar quem é bom (pagador) e quem é ruim. Vamos ver como será implantado. Hoje, no Brasil, existem quase 100 milhões sem acesso a crédito barato. São 70 milhões de pessoas negativadas. Mais de 10 milhões a 12 milhões que deveriam estar, mas não estão pelos valores pequenos. Como alavancar PIB e consumo sem dar crédito a estas pessoas? Esta é a minha discussão com o BC. Precisamos de um modelo de garantias que não sejam físicas, como veículos. Não só estas, mas uma garantia eletrônica, como o consignado.