Ele se tornou conhecido como Galeazzi Mãos de Tesoura, e não é por fazer esculturas em plantas. Claudio Galeazzi acumula podas em vagas de trabalho como poucos brasileiros. Sua especialidade é comandar processos de transformação em empresas abatidas por crises graves. Aos 68 anos, lançou um livro em que conta bastidores desses processos. E não fugiu da polêmica no título: Sem Cortes. Entre as revelações do livro, estão algumas sobre o próprio autor: na juventude, foi uma espécie de beatnik (movimento cultural dos anos 50 e 60 que pregava o antimaterialismo) e não tem graduação superior. No livro, há capítulos identificados pelos nomes das empresas
que ajudou a reestruturar – como Lojas Americanas e BRF. Só há uma exceção: uma que
identifica apenas como "A Firma". Perguntado sobre os motivos pela coluna, explica:
a sonegação "beirava a criminalidade".
Você foi uma espécie de beatnik?
Fui beatnik em Nova York, mas nunca aderi de corpo e alma e nem nas fumaças. Gostava de frequentar festas, andava de carona. Quando vivi nos Estados Unidos, fiz mais isso do que estudar. Não tenho nenhuma graduação concluída, mas frequentei muitos cursos. Considero-me um autodidata, obviamente tive de me esforçar muito mais do que se tivesse preparo acadêmico. Com o tempo, tive que ler, estudar e me dedicar para compensar. Os professores ficavam p.... comigo. Eles achavam que eu tinha muito potencial mas era muito relaxado no negócio de estudo.
Como convive com o fato de ser chamado de "mãos de tesoura"?
É tranquilo, você não escolhe apelidos, eles são dados. Obviamente, está relacionado em parte com aquilo que você faz. Mas também digo o seguinte: é muito mais atraente falar das redundâncias do que dos empregos ou das empresas que foram salvas. Ter conseguido manter milhares de empregos não parece ser tão atrativo ou apetitoso para se comentar.
Foram milhares de pessoas que perderam seus empregos para dezenas de milhares, em contrapartida, de vagas salvas.
Tem um balanço de quantos empregos salvou e cortou ao longo dos anos?
Em ambos os casos, foram milhares. Prefiro falar em redundâncias, não gosto de 'cortes'. Foram milhares de pessoas que perderam seus empregos para dezenas de milhares, em contrapartida, de vagas salvas. E muitas empresas foram salvas e continuaram a sua vida normal, recolhendo impostos e até crescendo.
Teve algum caso mais desconfortável?
Todos, sem exceção, tiveram certo sentimento de tristeza. Não sou um sádico que gosta de cortar. Não houve uma empresa em especial. Todo e qualquer emprego que fui obrigado a cortar, sempre sofri junto. Em contrapartida, sempre procurei ser o mais íntegro nessas demissões, ou seja, observar todos os direitos, nunca fugi a isso. Sempre obriguei as empresas a atender a esse ponto e, em muitos casos, melhorando muito o pacote de demissão. Durante algum tempo, em certos casos até por um ano, foram concedidas cesta básica, manutenção do seguro saúde. Às vezes, também com mais salários do que o esperado. Nunca sofri uma greve nas empresas em que, infelizmente, demiti muita gente.
Fiz cortes de despesas, bônus, privilégios, carros, viagens. São muito abrangentes, mas não o principal fator que salva a empresa.
Os cortes são só em empregos ou chegam a, por exemplo, bônus de executivos?
O corte nada mais é do que um dos elementos de uma reestruturação, principalmente turnaround (reviravolta, em inglês, designa um método de gestão que visa reverter estagnação ou declínio). Fiz cortes de despesas, bônus, privilégios, carros, viagens. São muito abrangentes, mas não o principal fator que salva a empresa. Inclusive, talvez seja um dos menores, porque você tem de rever processos, comercial, compras, financeiro.
Essas situações são resultado de certo excesso de otimismo?
Os empreendedores e donos de empresas baseiam sua atividade atual no sucesso do passado. Como tiveram crescimento relevante, entusiasmam-se e passam a tentar vender cada vez mais, sem considerar o que o mercado precisa. Não conseguem equacionar a empresa, a si mesmos e ao mercado. As expectativas, na maioria das vezes, não são fundamentadas. Variação provável do dólar, aval do mercado e da demanda são fatores pouco levados em conta. Chega ao ponto em que se torna insustentável. Outro fator é a negação: o empresário custa a reconhecer a crise na qual se meteu, fica inerte e espera que algo aconteça no mercado, ou na sua empresa, que reverta a situação de declínio.
O maior problema das empresas é reconhecer a crise e o fato de precisar, muitas vezes, implementar ações, que chamo de draconianas, para preservar o negócio.
A recessão mudou a percepção desse tipo de situação nas empresas?
A economia entra em declínio, e gestores de empresas custam a reconhecer que eles também estão no processo, em função do que está ocorrendo no mercado. O maior problema das empresas é reconhecer a crise e o fato de precisar, muitas vezes, implementar ações, que chamo de draconianas, para preservar o negócio. Há empresas que passam pela crise com pequenos arranhões. Outras, do mesmo segmento, entram em dificuldade financeira e econômica.
A citação de empresas no livro foi negociada?
Não. Com uma exceção, só escrevi o que é minha opinião, minha experiência e minha visão daquele momento nas empresas. Tento não ser agressivo, porque acho que não seria o caso, é a minha visão. Não estou reescrevendo a história da empresa, mas simplesmente relatando aquele momento.
Na 'Firma', em certo momento, o faturamento da empresa dobrou. Recebemos o crédito por isso no mercado, mas o que ocorreu foi sustar o processo absurdo de sonegação, e as vendas foram contabilizadas. A gente não poderia dizer que deixou de sonegar, então dobrou o faturamento.
Por que decidiu abrir exceção para uma, apresentada como "A Firma"?
Porque a atividade, na época, beirava a criminalidade. Achei que deveria não citar, mas mostrar um caminho torto em que se conduzia a gestão, por meio de sonegação. Em outras palavras, acaba tendo muitos 'sócios' naqueles que recebem mimos para fechar os olhos, ou até mesmo para contribuir para que aquela situação se perpetue. Neste caso, quando entro na empresa, não teria de mostrar essa situação. É como um advogado que defende o criminoso. A minha intenção, e da Galeazzi, não é quebrar a empresa, mas tirá-la daquele processo. Na 'Firma', em certo momento, o faturamento da empresa dobrou. Recebemos o crédito por isso, mas o que ocorreu foi que sustamos o processo absurdo de sonegação, e as vendas foram contabilizadas. A gente não poderia dizer que deixou de sonegar, então dobrou o faturamento.
Funções como a sua serão sempre necessárias ou aprendemos nos anos de crise?
O ser humano tem a tendência de repetir as mesmas coisas sempre. Pode mudar um pouco o cenário, a circunstância, mas sempre repete. Declínios de empresas seguirão acontecendo. Obviamente em uma empresa que vivenciou essa crise, se repetir seria burrice. O que vem atrás não necessariamente passou por essas situações, não teve o aprendizado que tive quando quebrei.
Quando estava no processo de quebrar, passei pela negação. Pior do que isso, é você não adotar ações. Mesmo que deem errado, está focado em reverter a situação. Precisa ter agilidade para corrigir.
É de onde vem parte de seu aprendizado na área?
Tive uma empresa (Armaq, de locação de equipamentos industriais, criada no final da década de 1970) que cresceu muito rapidamente e quebrei. Quando estava no processo de quebrar, passei pela negação. Pior do que isso, é você não adotar ações. Mesmo que deem errado, está focado em reverter a situação. Precisa ter agilidade para corrigir. Não fazer nada é pior do que errar nas ações.
Como é sua relação com as empresas após a reestruturação?
Uma vez que saio da empresa, me afasto, mas não das pessoas. É óbvio que aqueles que sofreram processo de demissão não são muito entusiasmados. Acredito que tenho bom relacionamento em todas as empresas que passei. Nunca fui alguém que demitiu friamente as pessoas. Conto o que a pessoa tem de melhor e explico porque, naquele momento, não está enquadrada nas necessidades da empresa. Até o sócio de uma empresa, que estava comigo em uma demissão, disse que, se fosse demitido, gostaria que eu o fizesse. É uma questão de atitude, da forma. O importante é o conteúdo, mas a forma é tão importante quanto.
Enfrentou muita resistência?
Sempre tem, é muito humano. As pessoas não gostam de mudança, mesmo que vá melhorar lá na frente sua própria vida profissional. A Galeazzi, quando entra em uma empresa, procura identificar pessoas, não necessariamente os gênios, mas aqueles com carisma, liderança e mostra a eles o motivo das ações. Normalmente, esse pessoal abraça a causa e são os verdadeiros artificies da mudança.