Um dos setores mais abalados pela recente recessão, a indústria voltou para um quadro recessivo. A constatação é do economista-chefe do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Rafael Cagnin. Para ele, a situação faz com que as fábricas brasileiras percam ainda mais competitividade global.
Por que o Iedi avalia que a indústria está em recessão?
São três meses consecutivos de retração, principalmente frente ao mesmo período de anos anteriores. Viemos de uma trajetória de crescimento muito lenta e, a despeito disso, estamos no negativo três meses seguidos. Na série de curtíssimo prazo, o setor está estagnado. Configura um quadro recessivo, dado que estamos quase 20% longe do nível de produção de antes da crise.
Como o setor já vem machucado, significa danos adicionais?
Quanto mais tempo demora para recuperar as perdas de 2014 a 2016, maior a chance de problemas se transformarem em características estruturais. Sem mercado em expansão e expectativa de crescimento de demanda e com capacidade ociosa elevada, os investimentos são constantemente adiados. Menos mercado quer dizer menos receita e lucros, que são a principal fonte de investimento, dada a escassez de instrumentos financeiros para isso no Brasil. Tem ainda o encolhimento do BNDES. Há poucas condições de resgatar projetos de investimento, sobretudo os de maior monta, capazes de absorver novas tecnologias e métodos de produção. Isso quer dizer que o parque está ficando ainda mais obsoleto. O Brasil é um ambiente hostil ao investimento produtivo há muitos anos. Desde a estabilização inflacionária, vemos uma sucessão de períodos ora de juro extremamente elevado, de crises, câmbio que faz o mercado doméstico ser abocanhado pelo produto estrangeiro. O risco é uma obsolescência ainda maior do parque produtivo. E, quanto mais obsoleto fica, menor a competitividade e a produtividade. Mais distantes ficam dos concorrentes no mundo.
A partir da eleição, os índices de confiança melhoraram muito. O que azedou de lá para cá?
A confiança não é uma panaceia. O discurso oficial e de muitos colegas economistas exagera no papel da confiança para resgatar a atividade. A economia não é um capítulo da psicologia. É uma ciência própria. Na qual o estado de expectativa é muito importante, mas não resume toda a história. Não adianta ter expectativa favorável se o mercado das empresas não cresce e se as condições de financiamento continuam adversas.
Por que a economia não reage?
Não há base sólida de sustentação de dinamismo. O que tira uma economia da recessão são os gastos autônomos, como os investimentos, que têm pouco espaço pela alta capacidade ociosa. Poderia vir do investimento público, um mecanismo de empuxe do sistema econômico. Mas não há espaço fiscal. O ajuste das contas nos últimos anos foi feito a partir de cortes no investimento público. É um problema, por não gerar dinamismo e porque obra parada custa mais caro para ser retomada. Poderia ser investimento em infraestrutura, grande candidato a dar mais vigor à nossa recuperação. Mas depende muito das articulações entre o público e o privado. Precisa achar modelos, exige financiamento de longuíssimo prazo e juro mais baixo. A agenda de concessões, parcerias e privatizações não foi feita na celeridade necessária. O consumo, principalmente via crédito, de bens duráveis, até estava reagindo, mas sobre base extremamente baixa. A taxa de juro média das operações para as famílias praticamente parou de cair desde junho. As exportações também poderiam ajudar, mas em 2018 tivemos desaceleração da venda de manufaturados. E os indícios são de que isso segue em 2019, por desaquecimento da economia global e medidas protecionistas.
A reforma da Previdência é o início da solução?
Há certo exagero sobre os impactos positivos, sobretudo no curto prazo. É importante e necessária, mas os efeitos são diluídos no tempo. Os efeitos diretos são relativamente pequenos. Quem acredita nisso está sempre jogando na conta das expectativas favoráveis. Ou seja, o impacto no curto prazo é avanço da confiança. Como argumentei, é fator importante, mas não resolve o problema. É um início? Sim. Acho que a reforma tributária é tão ou mais importante do que a reforma da Previdência, inclusive no curto prazo. Não falo de redução de carga, mas simplificação do sistema.