Um dos ex-ministros da Fazenda com maior tempo no cargo, Pedro Malan esteve em Porto Alegre nesta semana para apresentar seu primeiro livro, Uma Certa Ideia de Brasil: entre Passado e Futuro, a convite do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças do Rio Grande do Sul (Ibef-RS). Como de hábito, Malan não quis dar entrevistas pessoalmente, mas aceitou responder algumas perguntas da coluna por e-mail. Uma das maiores surpresas foi a citação a John Maynard Keynes, referência teórica da corrente da economia chamada de "desenvolvimentista", de certa forma oposta à linha mais clássica sempre advogada por Malan. E até "caetaniza" (referência aos discursos de Caetano Veloso) ao responder sobre o novo governo: diz que a aprovação da reforma da Previdência será "um teste fundamental para este governo tentar avançar. Ou não".
Caso a reforma da previdência não seja aprovada, o Brasil pode mesmo voltar à recessão?
Se a Reforma da Previdência não for aprovada (ou for aprovada de forma muito diluída) o Brasil estará – mais uma vez – adiando o encontro com seu futuro. Porque a Reforma da Previdência terá que ocorrer inevitavelmente em algum momento, a um custo que será tanto maior quanto maior for o prazo da procrastinação. É mais sério do que apenas voltar a uma supostamente transitória recessão.
Especialistas em Previdência avaliam que uma economia de R$ 800 bilhões em 10 anos com a reforma seria suficiente, o ministro Paulo Guedes insiste que seja de R$ 1 trilhão. Qual o valor mínimo a ser perseguido?
Não vou especular sobre qual seria o valor mínimo que asseguraria a "eficácia da reforma". O déficit da Previdência ainda vai continuar elevado por bom tempo, o que estamos falando é de tentar torná-lo – ao longo de 10 anos – menor do que seria caso a reforma não se realizasse agora. Além de tentar reduzir um pouco a flagrante injustiça do sistema atual, que como é sabido confere tratamento privilegiado a certas categorias.
A reforma da Previdência não é de forma alguma a única que precisa ser feita. Mas será um teste fundamental para este governo poder avançar. Ou não.
Até agora, como avalia a gestão econômica do novo governo?
Ainda é cedo para tal avaliação. Afinal passaram-se apenas 75 dias. O fato de que a proposta da Previdência tenha sido encaminhada ao Congresso no dia 20 de fevereiro é positivo. Mas para aprová-la (e em prazo hábil) será preciso muita capacidade de convencimento, liderança política, inclusive (e fundamental), do próprio Presidente que tem que mostrar conhecimento, foco e, principalmente convicção e confiança que sua liderança pode, no contexto atual de fragmentação do Congresso, fazer avançar a proposta da reforma no parlamento sem excessiva diluição. A reforma da Previdência não é de forma alguma a única que precisa ser feita. Mas será um teste fundamental para este governo poder avançar. Ou não.
Como avalia a hipótese de desvinculação total do orçamento? Ajuda a reordenar as finanças em crise ou pode tumultuar as relações entre Executivo e Legislativo?
A desvinculação – parcial e gradual - do orçamento terá que ser feita de qualquer maneira. Porque como se sabe, ou se deveria saber, hoje o Governo Federal (e muitos Estados e municípios) só controlam discricionariamente uma parcela muito reduzida de seus orçamentos, quando o pagamento de ativos, inativos e pensionistas consomem por vezes mais de 70% de suas receitas. Muitos são, na verdade basicamente gerentes de folha de pagamento e administradores da escassez de recursos para as outras áreas, inclusive investimentos.
Concorda com a tese do economista Persio Arida, de que a teoria macroeconômica clássica está em crise, ainda pelo desarranjo provocado em 2008?
Persio é um dos economistas mais brilhantes de sua geração, deve ser ouvido e tudo que escreve deve ser lido com atenção. A grande crise de 2008, e as respostas à mesma ao longo da ultima década, levaram, e continuam levando, a debates entre economistas acadêmicos ou não, sobre respostas apropriadas de política econômica em diferentes contextos (inclusive o global) e em diferentes países. A palavra crise significa coisas diferentes para diferentes pessoas em diferentes contextos. É preciso sempre ter em mente que a Economia não é uma ciência exata, e que sempre haverá espaço para o que Keynes (John Maynard Keynes, uma referência teórica não identificada com a linha de pensamento de Malan) chamava de "graus do acreditar", exercícios de julgamento, paixões e interesses.