O professor de mercado de capitais da Fundação Instituto de Administração (FIA) Walter Cestari, 80 anos, acompanhou a criação do Índice Ibovespa, agora próximo de atingir os simbólicos 100 mil pontos. No final da década de 1960, ele era operador de pregão e foi ouvido pelos técnicos que pensaram o indicador que passou a ser referência nos negócios com ações no Brasil.
Como foi a criação do Ibovespa?
Eu era operador de bolsa. Naquela época, era uma função distinta. Era um tomador de decisões. Não tinha comunicação entre o pregão e o externo. Executava ordens, mas tinha certa autonomia para tomar decisão. Por ter esta função profissional, o departamento técnico da bolsa algumas vezes me consultou durante a criação do índice Ibovespa. Quem criou foi o departamento técnico da bolsa.
Foi inspirado em outros, como o Dow Jones e o S&P 500, dos EUA?
O Dow Jones é o mais antigo. Foi criado por volta dos anos 1900, pelos senhores (Charles) Dow e (Edward) Jones, do jornal financeiro (Wall Street Journal). Em 1929, quebrou a bolsa de Nova York e, no ano seguinte, aconteceu uma reestruturação. Acabou adquirindo os direitos do índice Dow Jones. Até os anos de 1960, quando a agência de risco Standard & Poor's (S&P) considerou que aquele índice não representava exatamente o que eles necessitavam. Quem indicava as empresas do Dow Jones era um comitê. Até hoje é assim. São 30 companhias. Mas tem grande credibilidade. Quando oscila, leva as outras bolsas no mundo. Então, criou um novo índice, o S&P, ampliado, com as 500 empresas mais negociadas. Não resta dúvida de que estes dois índices inspiraram outras bolsas do resto do mundo. No Brasil, o primeiro foi da bolsa do Rio de Janeiro: o IBV, sigla de Índice da Bolsa de Valores. No início dos anos 1960.
E qual foi a intenção ao criar o índice Ibovespa?
No início dos anos 1960, o IBV do Rio era o que representava as bolsas do país. O Rio era o centro financeiro do Brasil. Quando houve a reforma bancária, a partir de 1964, a bolsa de valores de São Paulo começou a ter destaque e resolveu criar o seu índice. Isso foi feito em 2 de janeiro de 1968. O Ibovespa foi inovador, por ter uma metodologia mais técnica, inclusive em relação a índices do Exterior que mencionei. Contemplava três fatores. Primeiro, a negociabilidade. Quer dizer, o número de negócios. Segundo, volume negociado em dinheiro. E, terceiro, presença em pregão. Em quantos dos pregões do mês foi negociada. O fator negociabilidade multiplicado pelo volume forma uma média geométrica, ponderada pelo terceiro fator, presença em pregão.
Iniciou com quantas empresas?
Com 17, que preenchiam estes fatores. Tinha a Antárctica, que hoje seria a Ambev. Era mais negociada em São Paulo. No Rio, a Brahma tinha mais liquidez. Tinha Itaú. Também permanecem Lojas Americanas e Vale. No final do dia 2 de janeiro, no fechamento do primeiro dia de pregão, o índice partiu dos cem pontos. Foi o que estabeleceu a bolsa. No dia 3, subiu dois pontos. O equivalente a uma alta de 2%, a média do quanto aquelas 17 empresas variaram no dia. Então, o mercado passou a considerar, a partir daquele dia, que a bolsa subiu 2%. E até hoje é assim.
E quando o Ibovespa passou a ser a principal referência?
Isso foi nos anos 1980. Até a década de 1970, era o índice do Rio de Janeiro. O centro financeiro era lá.
E quais fatos curiosos ou pitorescos o senhor recorda?
Era um período de mercado sem muita técnica. Mais na base da informação. Na época, se falava "qual é a dica de amanhã". Se usava a expressão "bizu", a dica. Era o que valia. E os mais ingênuos eram os mais prejudicados. Ficou famosa a história da Merposa, uma empresa que deveria subir muito, mas não existia. Era a sigla para M**** em Pó S.A.
E como vê hoje o índice, perto dos 100 mil pontos?
Se for corrigir por algum fator, seja dólar ou taxa de inflação, a bolsa ainda está em nível baixo. Para chegar ao que já atingiu, teria que alcançar os 140 mil pontos. Em alguns períodos, foram cortados três zeros do índice, devido aos cortes dos zeros também em moedas que tivemos no país. Até hoje, foram cortados 11 zeros no Ibovespa. Então esse valor, agora, é relativo.