Paulo Tafner foi o coordenador de uma das propostas que mais influíram no texto final da reforma da Previdência. Integrante do grupo mobilizado pelo ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, concentrou o resultado de anos de estudo no tema no material enviado ao Planalto. Mas se boa parte do que foi apresentado tem origem no seu trabalho, nem tudo
que está no pacote tem a mesma origem. Tafner considera o resultado final abrangente e redutor de desigualdades, mas também aponta itens que podem vir a ser revistos no Congresso. E avalia que, embora a economia estimada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, de R$ 1,164 bilhão em 10 anos – incluída aí a mudança nas regras para as Forças Armadas, ainda não apresentada –, é possível negociar mudanças desde que o valor final não seja inferior a R$ 800 bilhões.
– Gostaria que fosse de R$ 1,3 trilhão, como era na minha proposta, é melhor para o país uma redução de despesa mais potente. Agora, acima de R$ 800 bilhões, não vou ficar triste.
Qual sua avaliação do pacote completo?
De maneira gral, a reforma atendeu ao que se esperava, tem potência fiscal, é abrangente. Também tenta resolver o problema dos governos estaduais e municipais, diminui os privilégios do sistema, aproxima todas as regras de uma regra comum. Não ficará tudo igual, mas aproxima bastante, para reduzir a desigualdade do sistema previdenciário. Mas é claro que, como qualquer proposta, está sujeita a imperfeições, correções, faz parte. Tenho certeza de que o Congresso vai aprimorar o texto, corrigir algum ponto aqui e outro ali.
Quais os problemas que precisam ser corrigido?
O Congresso é muito sensível a certos benefícios. É particularmente sensível à questão do BPC (Benefício de Prestação Continuada, que acabou reduzindo de R$ 998 para R$ 400 o pagamento a idosos entre 65 e 70 anos) e do benefício rural. É possível que o Congresso venha a aprimorar o texto, e é possível melhorá-lo. Não há nenhum aspecto intocável. Creio que o Congresso vai estar atento a esses pontos. Eventualmente, haverá algum ajuste por parte dos congressistas. Por exemplo, na regra geral, houve entendimento geral de que homens e mulheres deveriam ter idades diferentes. Como atinge a grande maioria dos trabalhadores (os da Previdência urbana), houve um princípio, um paradigma de que deveria ter sido adotado para tudo, que é a diferença de idade por gênero. O fato é que em outros casos, isso não ocorreu, e isso pode ser visto como uma inconsistência.
Pode ensejar o entendimento de que a proposta não está equilibrada (sobre idades diferentes para trabalhadores urbanos e iguais para os rurais).
O problema é que a idade para a aposentadoria rural ficou a mesma para os dois gêneros?
De fato, pode ensejar o entendimento de que a proposta não está equilibrada. Se
o Congresso entender dessa forma, a idade mínima no rural, que hoje é de 60 e 55
(na reforma, passariam ambos para 60), então deixa de 60 a 57, três anos de diferença. Por isso mesmo, na minha proposta, conhecida como Armínio/Tafner a idade é igual, não tem distinção por gênero. Trata, sim, professor com idade menor, mas homem e mulher igual. Polícia a mesma coisa. Não é uma falha crucial, os congressistas podem entender que o princípio de diferença de idade entre homens e mulheres vale para tudo e fazer ajustes.
Não acho que é complicado, grave.
Nada é intocável, mesmo?
Nada é intocável. No mundo. a única coisa imutável é a morte, todo o resto é. Pode ser que o governo estabeleça uma estratégia, que teria meu apoio, que é bastante factível: dois itens não seriam objeto de negociação, não quer dizer que sejam intocáveis. O governo pode dizer vamos negociar outras coisas, mas isso vamos manter. Os dois pontos que estruturam a reforma são a idade mínima de 62 e 65 anos, e a transição. A proposta de transição enviada em dezembro de 2016, era de 20 anos. De lá para cá, caiu para 17. Três anos se passarem, houve degradação maior das contas públicas, então, é preciso compensar o atraso da reforma, por isso é preciso puxar transição para ficar mais estreita. Esses são pontos mais basilares.
Alíquotas escalonadas para trabalhadores da iniciativa privada criam barulho grande e ainda fazem perder dinheiro, não parece bom.
Haveria espaço para negociar a cobrança com alíquotas crescentes, por exemplo?
Se olhar o resultado da receita, é quase neutro, não há grande aumento de a receita com a alteração de alíquota. A prioridade não foi fiscal, a ideia seria mais fazer justiça tributária.
Há um princípio de que a tributação deve ser progressiva, que uns aceitam e outros não.
Essa alteração, no Regime Geral, produz uma deseconomia de R$ 27,6 bilhões em 10 anos, ou seja, o governo perderia receita. Isso não constava na minha proposta. Entendo que achem bom criar mais progressividade, mas alíquotas escalonadas para trabalhadores da iniciativa privada criam um barulho grande e ainda fazem perder dinheiro, não parece bom. Imagino que vá ter muita chiadeira, já está havendo.
No caso dos servidores públicos, há ganho de receita?
Para o RPPS há muitos argumentos a favor da progressividade. Não é o principal aspecto, mas dá ganho de R$ 29 bilhões. Nessa caso, faz sentido ser progressiva. É fácil mostrar que, diferentemente do que ocorre no regime geral, no caso do regime próprio, maiores remunerações correspondem a maior déficit. Em muitos casos, quem tem salário de R$ 20 mil no regime geral, se computar tudo, vai ver que produz um superávit. O que vai receber é menos do que houve de contribuição. Isso não vale sempre, mas em vários casos. No regime próprio, quem ganha mais, sempre produz maior déficit. Na nossa proposta, não mexi na contribuição básica, ficava comum para todo mundo e criava uma alíquota especial para cobrir parte do déficit. Em grandes números, só para ter ideia da escalada, no serviço público quem ganha R$ 5 mil produz déficit de R$ 500 mil, quem ganha R$ 20 mil produz déficit R$ 2 milhões.
Como ocorreu a aplicação para ambos os regimes, o meu temor é de que ao ceder, se ceder para o regime geral, cria argumento para o serviço público, o que seria um equívoco.
Por que o trabalhador privado de salário mais alto não aumenta o déficit?
O funcionário privado tem um teto para a aposentadoria. Se ele ganhar R$ 50 mil, vai receber benefício de pouco mais de R$ 5 mil. Contribuiu até o teto, mas a empresa recolhe sobre toda a folha. Poderia sempre argumentar que, se não houvesse a contribuição da empresa, em vez de ganhar R$ 30 mil, o salário subiria para R$ 35 mil. Como a empresa tem de recolher 20% do salário, cada um recebendo liquidamente menos. Então, essa cobrança faz sentido para o servidor público, mas não faz, necessariamente para o setor privado. Como ocorreu a aplicação para ambos os regimes, o meu temor é de que ao ceder, se ceder para o regime geral, cria argumento para o serviço público, o que seria um equívoco.
Então o problema está no escalonamento para os trabalhadores da iniciativa privada?
É um ponto problemático a alíquota progressiva para o RGPS. É o tipo de briga que não sei se vale a pena. Tem sentido fazer justiça tributária? Tem sentido no combate ao déficit? Não, porque o resultado é negativo. Não aumenta a receita, é muita briga. Sendo pragmático, much ado about nothing (muito barulho por nada, título de uma peça de William Shakespeare). Esse talvez seja um ponto de negociação. O problema é que, como criou para RGPS e RPPS, é que se ceder agora para o regime geral, cria efeito demonstração para os servidores públicos. Se só colocasse o servidor público, havia justificativa: o déficit cresce com o valor da remuneração. Exatamente por isso, tem de equalizar as contribuições de todos, e a forma de equalizar o esforço de todos é ter alíquota para todos.
A conta de uma economia de R$ 1 trilhão em 10 anos é confiável?
Sim, pelo que se pode verificar, chegaria a R$ 1,164 trilhão, incluindo as Forças Armadas.
Só a parte que já foi para o Congresso é R$ 1,071 trilhão.
Gostaria que fossem R$ 1,3 trilhão, como estava na minha proposta, por entender que é melhor para o país redução de despesa mais potente. Agora, se ficar acima de R$ 800 bilhões, não vou ficar triste, pelo impacto nas contas públicas.
Por que há bancos reduzindo esse cálculo para R$ 800 bilhões e até R$ 550 bilhões?
Bancos são bons com dados de mercado. Na época da reforma do Temer, tive de fazer uma admoestação pública, porque um grande banco informou um número errado. Isso acontece porque são bases de dados diferentes, às vezes, uma é mais atualizada do que a outra.
O problema é quando um dá R$ 500 bilhões e outro, R$ 800 bilhões. Pelas minhas contas,
é algo em torno de R$ 1 trilhão. Na parte do Regime Próprio da União, tenho menos dados, mas a equipe é boa, vou acreditar neles.
Esse valor pode baixar, por correções? O que é essencial manter?
Não é uma questão de achar R$ 900 bilhões bom, e R$ 500 bilhões ruim. Para efeito de estabilização das contas públicas, acredito que a reforma depois de modificações – ou,
como a imprensa começou a chamar, da desidratação – seria bom ter como meta ao menos R$ 800 bilhões em 10 anos. Seria bom brigar, ter como estratégia a manutenção desses
R$ 800 bilhões. Gostaria que fossem R$ 1,3 trilhão, como estava na minha proposta, por entender que é melhor para o país redução de despesa mais potente. Agora, se ficar acima
de R$ 800 bilhões, não vou ficar triste, pelo impacto nas contas públicas.
Há preocupação com o tempo de aprovação?
Meu horizonte muda de sinal de positivo para negativo se virar o ano e não estiver aprovada. Se tramitar na Câmara até julho ou agosto está razoável, não mais do que isso, para dar tempo de ir ao Senado e ser aprovada dentro deste ano. O ideal seria aprovação na Câmara em junho, porque tem o recesso (em julho). Se demorar um pouco mais, até novembro, tudo bem, o que não pode é transpor o ano. Não é um bom sinal. Um ponto importante, crucial é que o governo faça uma grande articulação para entrar no mundo real da política e permitir a escolha de um relator que tenha convicção na reforma. Que tenha jogo de cintura, mas que saiba negociar, defender o que é fundamental na proposta.
O fato de o regime de capitalização ter ficado sem perspectiva de aplicação lhe preocupa?Acho negativo. É uma pena perder a oportunidade de ter sistema de capitalização combinado com o pilar de repartição e um benefício universal, que seria a proteção contra a miséria.