Ainda pouco conhecida dos gaúchos, uma fintech (especializada em finanças) porto-alegrense promete dar o que falar. A Nelógica planeja para o próximo ano seu primeiro passo fora do Brasil. É considerada pela Endeavor (organização que incentiva novos negócios) "uma das primeiras fintechs brasileiras de impacto global". Fundada há 15 anos por Marcos Boschetti (CEO) e Fabiano Kerber (CTO) – dois amigos que se conhecem desde o maternal –, está contratando entre 15 e 20 pessoas ao mês. A primeira sociedade foi aos sete anos, quando empreenderam para vender aos colegas de colégio adesivos feitos por eles mesmos. Se na época foi brincadeira, virou assunto sério: a Nelógica tem 130 funcionários e um lugar estratégico no mercado. Boschetti, a face mais pública, diz que está otimista em relação ao Rio Grande do Sul.
Por que você se diz otimista com o Rio Grande do Sul?
Porque vejo, depois de muito tempo, formar-se uma massa crítica de iniciativas como há não se via há décadas no Estado. Há um processo para trazer investimentos que diversifiquem nossa economia, que sempre foi predominantemente agro, comoditizada. Há muitas pessoas preocupadas como a nova economia afeta inclusive as empresas estabelecidas, sob a ameaça de virarem fósseis. Esse momento da economia guarda muitas oportunidades, parece que houve um acordar para isso.
Qual o ritmo de contratações da Nelógica?
Estamos contratando de 15 a 20 por mês. Mudamos para a sede atual em maio de 2017, com 1,2 mil metros quadrados, mas já estamos procurando um lugar novo para nos instalar, porque está faltando espaço. Não temos limite de vagas para pessoas talentosas, principalmente as ligadas à tecnologia. Estamos nessa luta para reinventar o mercado financeiro. Estamos nos aproximando das universidades, dos centros acadêmicos. É uma mola que pode propulsionar o Estado. Temos excelentes centros de formação, a UFRGS, a PUCRS, a Unisinos, outros polos, como Santa Maria. São polos de talentos. Buscamos pessoas muito inteligentes, com visão de não conformidade com como as coisas são feitas hoje. Somos uma empresa daqui que pode ser relevante na economia ligada à tecnologia. Hoje somos 130, estamos crescendo com rapidez.
Somos dois amigos que se conheceram com três anos, no maternal, e desenvolveram grande afinidade. Sempre soubemos que iríamos abrir uma empresa. Com sete anos, começamos a vender adesivos para amiguinhos do colégio.
Qual é o perfil das pessoas que vocês buscam?
Trabalhamos com sistemas complexos, que têm de estar no ar o tempo todo. Precisamos de pessoas que entendam de big data, inteligência artificial. Temos mais projetos a entregar do que pessoas para executar.
O que faz a Nelógica?
O que vendemos é um serviço, uma assinatura mensal, como se fosse TV a cabo. Entregamos em tempo real cotações de bolsa no Brasil e no mundo. Os clientes típicos são profissionais liberais que têm uma ou duas horas ao dia para fazer investimentos em renda variável (ações e outros produtos de bolsa) de maneira mais séria. Oferecemos uma evolução do home broker, com ferramentas analíticas mais sofisticadas. No mercado de minicontratos da BMF (Bolsa de Mercadorias & Futuros, parte da B3, novo nome da bolsa do Brasil) de índice e dólar, se tirar ação de robôs de alta frequência, representamos mais de 50% do volume. Costumamos dizer que formamos o sistema circulatório do investimento em renda variável do Brasil. Temos uma rede de mais de 30 parceiros.
Como nasceu a sociedade?
Somos dois amigos que se conheceram com três anos, no maternal, e desenvolveram grande afinidade. Sempre soubemos que iríamos abrir uma empresa. Com sete anos, começamos a vender adesivos para amiguinhos do colégio. O Fabiano criava, eu fazia a captação de clientes. Depois, cursamos Ciência da Computação na UFRGS juntos. Fiz mestrado em Microeletrônica, ia fazer doutorado, mas em 2003 decidimos que estava na hora de empreender. Não teria feito nada sem ele, ele não teria feito nada sem mim.
O que definiu a escolha do negócio?
Na faculdade, nos apaixonamos pelo mercado financeiro. Mas para quem queria operar a sério, não havia ferramental adequado. A ideia foi democratizar tecnologia para pequenos investidores que precisam desse ferramental e não têm US$ 2 mil para pagar por um terminal da Bloomberg. Queríamos trazer para a realidade das pessoas o que só o investidor institucional tinha acesso. Começamos o negócio sem recursos, sem investidores, sem contatos. Mas o pessoal foi pegando gosto pela nossa ferramenta.
Qual tem sido o desempenho?
Nos últimos três anos, temos aumentando o faturamento em 100% a cada ano. É o que vamos crescer em 2018. O que vendemos é um serviço, uma assinatura mensal, como se fosse TV a cabo. Não ganhamos por transação, e o cliente ainda precisa atuar via corretoras.
E qual o tamanho desse faturamento?
Podemos dizer que já está bom, e dá para financiar bastante coisa. Até o final do ano, vamos ter 200 pessoas.
Pretendemos começar virtualmente, exportando o serviço a partir do Brasil, depois transpor para o físico. Os Estados Unidos estão no primeiro objetivo, para o início de 2019, mas não definimos ainda em que Estado
Até agora, quais os principais desafios?
Na crise de 2008 (marcada por uma forte e prolongada queda das bolsas em todo o mundo), houve uma grande redução de participantes no mercado financeiro. Mas também foi o diferencial, o que nos ajudou a escalar. Não havia produto no mercado para operar vendido (quando as bolsas caem, é possível ganhar apostando na queda de algum ativo, o que é chamado de "operar vendido"). Também houve uma grande mudança no Brasil, as bolsas viraram empresas abertas. Assim, surgiram novos produtos e conseguimos ter aderência maior a esse público. Houve uma grande consolidação no pós-crise de 2008. Foi difícil, sumiu a liquidez, crédito e investimento desapareceram do mercado. E outro adversário tem tem impacto no nosso negócio é o juro alto, que desestimula a investir em renda variável.
Houve risco de não chegar do outro lado?
Nunca tivemos essa visão de abrir carteira e investir mais do que deveria, ou inchar a estrutura mais do que deveria. Temos uma estrutura lean (enxuta), eficiente. Conseguimos nos adaptar aos tempos. No pior momento, seguimos investindo. Quando o mercado melhorou, estávamos anos-luz à frente dos demais. Esse foi um dos nossos grandes pulos do gato. Um grande diferenciador é nosso ritmo de up grade (atualizações). Liberamos uma nova funcionalidade por semana. Monitoramos necessidades de grupos de usuários em redes sociais, pegamos um problema grande, quebramos em problemas menores. É algo que nos distingue.
Quais os planos para o futuro?
Ser uma fintech relevante para o mundo. Temos um processo de expansão internacional em que vamos aplicar o mesmo modelo ultra-ágil no desenvolvimento de tecnologia. Ainda estamos estudando como fazer essa expansão. Pretendemos começar virtualmente, exportando o serviço a partir do Brasil, depois transpor para o físico. Os Estados Unidos estão no primeiro objetivo, para o início de 2019, mas não definimos ainda em que Estado.