Na régua de distorções das fake news, uma graduação inicial é a descontextualização de um acontecimento. A situação ocorreu de fato, mas não é possível se tirar uma conclusão definitiva. Parece complicado? Vamos tomar o exemplo das fotografias, mais precisamente das fotos tiradas com políticos. Com a onipresença das câmeras de celular, a mania das selfies e a disseminação de imagens pelas redes, hoje basta se espalhar o flagrante de alguém ao lado de um personagem enrolado para que uma reputação seja abalada.
Aí é que reside o fake. Uma fotinho ao lado de alguém prova coisa nenhuma. Quem quer que já tenha frequentado os corredores de parlamentos e sedes de governos pode testemunhar o tanto que políticos mais populares são requisitados para “tirar uma foto junto”. Em alguns casos, são dezenas de solicitações por dia, que se convertem em pequenas armadilhas em potencial. Recusá-las equivale a rejeitar o eleitor ou, pior, o “contato com o povo”. Mas, em contrapartida, com um pouco de maldade, podem ser usadas anos mais tarde como suposta proximidade com alguém em maus lençóis.
Veja-se o caso da absurda morte do guarda municipal Marcelo de Arruda em sua festa de aniversário por tiros disparados pelo policial penal Jorge Guaranho. Logo surgiram fotos de Guaranho com o deputado Eduardo Bolsonaro. Alguma comprovação da relação do agressor com o deputado? Pela foto, nenhuma, a não ser uma das incontáveis selfies que o filho de Bolsonaro tira com admiradores da mesma linha ideológica. A própria vítima, tesoureiro do PT em Foz do Iguaçu, tem uma foto sua com Jair Bolsonaro. Então deputado federal e uma espécie de líder sindical de corporações da segurança, Bolsonaro recebeu em 2017 o guarda municipal e colegas em Brasília durante um movimento para que a categoria tivesse a aposentadoria equiparada a policiais. Como acontece com frequência nessas situações, registraram o encontro com uma selfie em que aparecem sorridentes.
Uma foto, como se vê, pode ser apenas uma foto, uma cordialidade tão fugaz quanto corriqueira. A situação muda de figura quando há muitas fotos, sobretudo em situações fora de ambientes de trabalho. Ou quando imagens são seguidas de outras evidências materiais da proximidade. É o caso dos pastores que intermediavam verbas do Fundo Nacional da Educação. Jair Bolsonaro deve ter literalmente milhares de fotos com líderes de igrejas. Mas a gravação do então ministro Milton Ribeiro admitindo a intervenção do presidente a favor da dupla e as dezenas de registros de visitas de ambos ao ministério e ao Planalto são indicações de que jabutis não sobem sozinhos em árvores. Aí é que começa a entrar o fato amplo e concreto, matéria-prima de quem busca de verdade a verdade.