As sessões do comitê do Congresso americano sobre a invasão do Capitólio por seguidores do ex-presidente Donald Trump valem uma pós-graduação para quem acompanha processos eleitorais polarizados. O que sobressai dos testemunhos – boa parte deles de antigos aliados de Trump – é que mesmo a democracia mais sólida pode ser abalada quando se juntam um chefe de Estado paranoico e populista com técnicas de desinformação destinadas a despertar a revolta de massas contra o Estado de Direito.
A autópsia pública da invasão do Capitólio, em 6 de janeiro de 2021, revela um ritual com início, meio e fim para desmanchar a real vontade da maioria. Primeiro, desdenha-se de pesquisas de opinião em contrário e afirma-se que o que vale é o povo na rua. Num país como o Brasil, por exemplo, mesmo que 1 milhão de pessoas fossem às ruas incensar algum político, o que já seria uma enormidade, esse contingente representaria mero 0,75% do eleitorado brasileiro.
Mesmo pesquisas de opinião sérias não acertam sempre, mas não vivem de erros. São elas que, antes das urnas, captam tendências e percepções – daquele determinado momento, ressalve-se - que não se expressam ruidosamente nas ruas ou nas redes sociais. E, goste-se ou não, o voto do sujeito que segura um cartaz e grita até ficar rouco na manifestação tem o mesmo peso do da senhorinha silenciosa que sai de casa para votar no nome “menos ruim”.
Como ato contínuo do manual dos derrotados inconformados, surge a denúncia do processo eleitoral. Para candidatos megalômanos, se o povo não o reconheceu é porque a máquina de votos foi manipulada. No caso americano, de acordo com os depoimentos, Trump disparava alucinações sobre votos virados por satélite a partir da Itália e conspirações que iam das Filipinas à Venezuela. O “delirante”, como o definiu seu ex-secretário de Justiça Wiliam Barr, realmente acredita no que diz. O comportamento, bem mais comum do que se imagina, ocorre por um fenômeno conhecido como “viés de confirmação”: em muitas pessoas, o cérebro repele as informações que contrariam convicções prévias e, como uma esponja, absorve aquelas que as reafirmam, por mais esdrúxulas que sejam.
Uma amostra de como as teorias da conspiração se disseminam facilmente pelas redes sociais é a doideira da tal civilização Ratanabá, que viralizou no Twitter e no TikTok. Um alucinado qualquer inventa que foi descoberta uma gigantesca cidade de 450 milhões de anos sob o manto verde na Amazônia e que, por isso, a região desperta a cobiça mundial. Não importa que, há 450 milhões de anos, sequer houvesse humanos e nem floresta amazônica. No caso da Ranatabá, como já havia corrido com a Ursal e a terra plana, a asneira rapidamente vira piada e gozação nas redes. O problema é quando outras sandices, bem mais sérias e graves, não têm graça nenhuma.