Cem dias depois da invasão da Ucrânia, tem-se uma configuração rara: esta é uma guerra de impacto global em que as três partes em confronto estão perdendo, enquanto as que assistem ao conflito de longe também saem chamuscadas. O saldo até agora.
Ucrânia – Com 4 milhões de refugiados, milhares de mortos e US$ 1 trilhão em perdas, a jovem nação sofre uma das maiores violências desde o fim da Segunda Guerra. Ainda assim, surpreendeu com o fervor de sua resistência e apresentou ao mundo Volodimir Zelensky, um estadista que até então era ridicularizado por só ter experiência como ator. No curto prazo, terá de lutar contra ocupação de pelo menos 20% de seu território ou cederá parte dele para chegar a um armistício, como a Finlândia invadida pela Rússia em 1939. No longo prazo, a Ucrânia será mais ocidentalizada e próxima da Otan do que nunca.
Rússia – Jogou fora três décadas de assimilação pelas democracias e integração à economia ocidental devido aos delírios de seu líder autocrático. Os objetivos de Putin naufragaram: teve de abdicar da tomada total da Ucrânia, transformou seu inimigo Zelensky em herói, empurrou a Finlândia e a Suécia para uma Otan ressuscitada e viu exaurir seu arsenal convencional, enfraquecendo a capacidade militar da Rússia. Ocupará o Donbass e o sul da Ucrânia a um preço moral e econômico que será pago por gerações de russos.
EUA/Europa – Derrotados na frente econômica, na qual a inflação se associa à recessão. O bloco democrático ocidental não teve sucesso até agora em bloquear o ímpeto bélico de Putin. Com as sanções, disseminaram-se a inflação e o desemprego na Rússia, reforçando o discurso do Kremlin de "ameaça do Ocidente contra o povo russo". Para asfixiar o esforço militar de Moscou, as sanções teriam de ir ainda mais fundo e realmente desplugar a Rússia da economia mundial, o que faria disparar de novo o custo da energia, realimentando a inflação e a crise em um Ocidente já às voltas com a conta da pandemia.
China – Vislumbra em uma Rússia desidratada pelo Ocidente um vasto mercado a ser preenchido pelas empresas chinesas, mas antes o Kremlin teria de concordar em cair nos longos braços de Pequim, o que é uma temeridade, dado a história de mútuas desconfianças das duas potências. No curto prazo, a reação de EUA/Europa à invasão da Ucrânia é um freio aos impulsos chineses sobre Taiwan. No longo prazo, a China confirma sua vocação de parceira pouco confiável para o Ocidente.
Resto do mundo – Sofre as consequências da guerra a cada vez que se abastece um veículo, mas o pior ainda está por vir: a crise de alimentos motivada pelas sanções à Rússia e pela paralisia das exportações ucranianas. O Brasil e a Argentina têm uma janela de oportunidade para ocupar o vazio e garantir alimentos para o mundo, mas não parecem estar se preparando para tanto.