Que grande parte do Brasil desconfia das ambições golpistas do presidente Jair Bolsonaro não surpreende, dado os contorcionismos que ele faz para criar tumultos institucionais, a começar pela suspeita sobre as urnas eletrônicas. O Brasil, porém, não está em 1964 e a hipótese de golpe é mais uma manobra diversionista que desvia a agenda sobre emprego, saúde e inflação. Vejamos por quê:
Reeleição - Como seus antecessores que se candidataram a novo mandato, o presidente tem boa chance de conquistar mais quatro anos pela via democrática. O ponto de maior atenção seria um golpismo a conta-gotas num eventual segundo mandato, com a cooptação ou submissão de instituições que afiançam o Estado de Direito e a democracia, como a Suprema Corte, o Congresso, as Forças Armadas, a Procuradoria da República e a imprensa. É assim que Putin e o chavismo mantêm o poder há mais de duas décadas na Rússia e na Venezuela.
Forças Armadas - Há muito de estereótipo e preconceito e pouca realidade sobre as convicções castrenses. Obediência ao comandante e disciplina, inclusive para, mesmo contrariados, se manterem em silêncio são as bases da vida militar, como demonstram os dribles nas tentativas de Bolsonaro de arrastar o conjunto das Forças Armadas para o pântano partidário. A ocupação de 6 mil cargos públicos por militares da ativa e da reserva esconde o fato de que há outras centenas de milhares de fora, e não necessariamente olhando com admiração para os que dobram seus soldos em cargos de confiança. Além disso, é difícil imaginar um general de quatro estrelas da ativa que considere boa ideia aumentar os poderes de um ex-capitão punido por indisciplina, definido pelo ex-presidente Geisel como “um mau militar” e que, pela meritocracia que impera no Exército, jamais chegaria a oficial-general.
Empresários - Fora alguns bolsões anacrônicos, o empresariado brasileiro quer inserção internacional, estabilidade política e a liberdade de empreender e defender suas causas que só a democracia permite. Os manifestos de centenas de empresários a favor da democracia, às vésperas do 7 de Setembro do ano passado, são uma amostra de que o golpismo não tem guarida no mundo empresarial moderno.
Congresso - Quem apoiasse um golpe para cancelar as eleições estaria dando um tiro no pé. Se, por um devaneio, o resultado das urnas eletrônicas fosse desautorizado, cairiam também todos os demais eleitos – de governadores a deputados. Que Congresso defenderia esse delírio?
Constituição - Por último, mas o mais importante. Atentar contra a democracia é crime inafiançável e imprescritível. Quem o fizer pegará cana braba – agora ou em algum dia mais adiante. Ou seja, tentações golpistas são uma viagem sem volta em uma canoa furada.
Golpe, como se vê, está mais para assombração, mas nunca custa lembrar que o preço da liberdade é a eterna vigilância.