Quando foi que os países parecem ter se partido em dois, com cada metade achando que precisa salvar a nação da outra metade? Para o psicólogo social Jonathan Haidt, professor da New York University, o início do grande cisma, definido por ele como a queda da Torre de Babel, pode ser datado em 2009, quando o Twitter criou o botão de endosso e compartilhamento de posts, logo seguido pelo Facebook e sua obsessão por likes.
O mecanismo se mostrou tão diabolicamente eficaz quanto perverso. Para extrair dados dos usuários e vendê-los aos anunciantes, as mídias sociais precisam estimular ao máximo a interação com os conteúdos. A cada clique, as preferências vão sendo consolidadas, e hábitos, gostos, vida privada e aspirações vão sendo entregues aos donos das redes. Logo, as mídias sociais descobriram que conteúdos que despertam emoções, como raiva e indignação, geram mais interações e dados. E assim os algoritmos foram calibrados para colocar diante dos olhos dos incautos usuários mais e mais conteúdos que disseminam teorias da conspiração, fomentam a descrença nas instituições e ridicularizam ou brutalizam grupos sociais, transformados em inimigos.
Em artigo na revista The Atlantic, Jonathan Haid nota que, nas redes, mesmo frivolidades se tornaram objeto de discussões grosseiras e cita estudos que mostram a captura das discussões por pequenos grupos de “idiotas” que afugentam do debate a grande maioria que se guia pelo bom senso e pela racionalidade. Boa parte dos que mantêm o conflito digital constante sequer se dá conta de que foi recrutado como soldado a serviço de causas alheias, trabalhando de graça para as redes e os senhores da guerra. Como disse um ex-engenheiro do Twitter citado por Haidt, “ao criarmos o botão de compartilhamento, demos um revólver carregado para uma criança de quatro anos”.
O ambiente de mútua hostilidade é mais uma exacerbação produzida pelas redes sociais. Uma pesquisa de dezembro passado pelo DataSenado e divulgada nesta semana mostrou que 21% dos 5.850 brasileiros entrevistados se declaravam de direita e 11% de esquerda. Se levarmos em conta que apenas uma fração deles poderia ser qualificada de extremista fanatizada, chegamos a uma realidade social em que, em silêncio ou discrição, a maior parte da população virou refém de um debate radicalizado do qual opta por manter distância segura.
Jonathan Haid é pessimista quanto ao futuro. Ele acredita que novas formas de radicalização pela direita populista e de execração social do pensamento dissidente pela esquerda ainda vão piorar antes de melhorar. Mas também pode ser que não. A mesma pesquisa do DataSenado revela que a grande maioria dos brasileiros não se alinha com os campos conflagrados. E a surpreendente união de países europeus contra a invasão à Ucrânia mostra que, diante de uma ameaça maior, a vida real acaba falando mais alto que o pugilato virtual.