Em coletiva de imprensa na manhã desta sexta-feira (15), a Polícia Civil do Paraná detalhou o inquérito — concluído na quinta-feira (14) — que investiga a morte do guarda municipal Marcelo Arruda, 50 anos,ocorrida no último fim de semana. Ele, que atuava como tesoureiro do Partido dos Trabalhadores (PT), foi assassinado durante a própria festa de aniversário, em Foz do Iguaçu, no oeste do Estado.
A Polícia Civil concluiu que não houve motivação política no crime, cometido pelo policial penal federal bolsonarista Jorge Guaranho. O homem, que foi atingido na troca de tiros com Arruda, segue internado em um hospital da cidade paranaense.
Guaranho foi indiciado por homicídio duplamente qualificado, por motivo torpe e por causar perigo comum, de acordo com a delegada Camila Cecconello. Ele teve prisão preventiva decretada na última segunda-feira (11).
— Chegamos a conclusão que vamos indiciar o agente pelo crime de homicídio qualificado por motivo torpe e por causar perigo a outras pessoas no local e que poderiam ter sido atingidas pelos disparos — afirmou a delegada Camila em coletiva de imprensa que contou com a participação do secretário de Segurança Pública do Paraná, Wagner Mesquita.
No entendimento da polícia, o crime foi causado por uma provocação seguida de discussão devido a questões políticas e ideológicas. O caso, contudo, não será enquadrado como crime de ódio por falta de elementos para isso. Os investigadores destacaram que Guaranho teria cometido o assassinato por impulso, e não de forma premeditada. Segundo a delegada, para um caso ser enquadrado como crime político é preciso atender a alguns requisitos:
É complicado a gente dizer que esse homicídio foi motivado, ou que esse homicídio ocorreu porque o autor queria impedir o exercício dos direitos políticos daquela vítima.
DELEGADA CAMILA CECCONELLO
Responsável pelo inquérito
— Para você enquadrar num crime político, que a lei de crimes contra o estado democrático de direito, você tem alguns requisitos, como impedir ou dificultar uma pessoa de exercer seus direitos políticos. Então é complicado a gente dizer que foi motivado, ou que esse homicídio ocorreu porque o autor queria impedir o exercício dos direitos políticos daquela vítima.
Ela explica que a investigação conclui que o bolsonarista não tinha a intenção de atirar, mas de provocar o tesoureiro do PT.
— A gente avalia que esse acirramento da discussão, a escalada da discussão entre os dois é que acabou fazendo com que o autor voltasse e praticasse o homicídio. Então é muito difícil analisar os autos, com as provas que nós temos, e dizer que o autor foi até lá, voltou porque queria cessar os direitos políticos ou atentar contra os direitos políticos daquela pessoa. Parece muitas vezes mais uma coisa que acabou virando pessoal entre duas pessoas que discutiram, claro, por motivações políticas — explica.
A polícia concluiu que Guaranho atirou primeiro, portanto o caso não poderia ser enquadrado como legítima defesa. A investigação apurou que o policial penal federal deu quatro tiros, sendo que dois atingiram Arruda. O tesoureiro do PT efetuou 10 disparos — quatro acertaram Guaranho.
A polícia apurou que Guaranho estava em um churrasco antes de ir até a festa do petista. Lá, ele soube que a comemoração de Arruda, com a temática do PT, estava acontecendo. Outro convidado do churrasco era funcionário do clube no qual Arruda havia alugado o salão de festa e tinha acesso às câmeras de segurança. Em seguida, Guaranho saiu sem fazer nenhum comentário a respeito. A polícia entendeu que esse funcionário não tem envolvimento nem cometeu nenhum crime.
Pouco depois, Guaranho foi até a festa de aniversário do tesoureiro do PT para, segundo a investigação, fazer uma provocação — segundo a polícia, os dois não se conheciam. De acordo com testemunhas, Guaranho chegou de carro, ouvindo música de apoio ao presidente Jair Bolsonaro, com uma mulher e um bebê. Depois, uma discussão com o tesoureiro do PT se iniciou.
Segundo a delegada, testemunhas relataram que Arruda jogou areia no carro de Guaranho. De acordo com o relato da mulher do policial penal federal, ele disse que a situação "não ia ficar assim" e que ele iria voltar ao local. A mulher disse que pediu para o marido não retornar, sem sucesso. Depois, Guaranho foi embora. A investigação conclui que ele voltou mais tarde porque se sentiu humilhado.
Chegou a ser solicitado ao porteiro do local que o portão da associação fosse fechado, o que ocorreu. Ao retornar ao local, o próprio Guaranho tenta abrir a passagem, interpela o porteiro e diz "o problema não é com você e vou entrar", segundo a delegada. De acordo com a investigação, o agente, ao avistar Arruda, saca a arma, assim como o guarda municipal.
Ambos ficaram cerca de três ou quatro segundos dizendo "abaixa a arma" um para o outro, relatou a delegada. Segundo ela, Arruda disse a Guaranho:
— Abaixa essa arma. Aqui tem polícia. Aqui só tem família.
Conforme a apuração, Guaranho disse:
— Abaixa a arma.
Em seguida, segundo a apuração, o agente penal começou a disparar contra a vítima.
Durante a apuração, a polícia afirma que 18 pessoas prestaram depoimento, entre testemunhas que estavam no local do crime e familiares de Arruda e Guaranho. Além disso, imagens de câmeras de segurança foram analisadas e foram feitas apurações complementares, conforme a polícia.
O celular de Guaranho só foi apreendido na quinta-feira (14) após a execução de uma ordem de busca para a coleta do aparelho que estava em posse da mulher do agente penal. Segundo a polícia, o objeto não foi apreendido no dia do crime porque foi levado ao hospital junto ao agente penal. A mulher de Guaranho teria dito aos investigadores que só entregaria o aparelho após ordem judicial.
A delegada afirmou ainda que três pessoas são investigadas pelas agressões a Guaranho. Para isso, um outro inquérito está em andamento e busca esclarecer esse ponto específico. Ela destaca que a polícia aguarda um laudo pericial para determinar a gravidade das agressões sofridas pelo bolsonarista.
Repercussão
Para a defesa de Guaranho, a conclusão do inquérito, de que não houve crime político, está correta.
— A defesa entende que está correta a forma da autoridade policial em não admitir que tenha sido um crime cometido em detrimento da política — disse o advogado Cleverson Ortega.
Os advogados afirmaram que ainda não tiveram acesso ao inquérito na íntegra, para, a partir daí, traçar a linha de defesa:
— Ainda tem de ter acesso ao inquérito, todas as provas que foram carreadas ao inquérito, vai ter que ver o posicionamento do promotor, de que forma vai oferecer essa denúncia, quais as qualificadoras que vai oferecer na denúncia, para a defesa trabalhar em cima disso. A defesa trabalha em cima do que a acusação produz — analisou o advogado.
O estado de saúde de Jorge Guaranho continua considerado grave, porém estável. Ele está internado no Hospital Costa Cavalcanti, em Foz do Iguaçu, respirando por ajuda de aparelhos. A defesa crê que o depoimento do agente penal é fundamental para esclarecer a motivação do crime, o que não se tem previsão de ocorrer.
Procurado pela reportagem, Leonardo, filho mais velho de Marcelo Arruda, preferiu não se pronunciar no momento. A viúva do guarda municipal, Pâmela Suellen Silva, chegou a ir até a Delegacia de Homicídios para ter conhecimento da conclusão do inquérito, já que não acompanhou a coletiva. Abordada pela reportagem do Estadão, ela preferiu aguardar uma orientação dos advogados para se manifestar.
Juiz nega decretar sigilo das investigações
Às vésperas da conclusão do inquérito, o juiz Gustavo Germano Francisco Arguello, da 3ª Vara Criminal de Foz do Iguaçu, negou pedido para decretar o sigilo da investigação sobre o homicídio de Arruda. A solicitação partiu de familiares do guarda municipal e teve concordância do Ministério Público, da Polícia Civil e da família de Jorge Guaranho.
A avaliação do magistrado foi a de que, apesar da "considerável repercussão do fato investigado e a dor dos familiares causada pela ampla exposição dos elementos probatórios", "não se verifica dano à intimidade capaz de autorizar a aplicação da publicidade restrita" ao processo.
O juiz impôs sigilo somente a diligências requisitadas pelos investigadores que envolvem dados de comunicação telefônica e telemática, e detalhes sobre a ficha funcional disciplinar de Guaranho, contendo informações médicas.