O escândalo de traficância de verbas no MEC é apenas mais um capítulo da novela sem fim da corrupção no Brasil. Há séculos o enredo de desvios públicos ganha novos personagens porque o foco do combate se concentra em uma das facetas das trambicagens – as pessoas que as praticam, quando, no fundo, o problema reside no nosso modelo de funcionamento de Estado.
As distorções nascem com o próprio Brasil, uma colônia com fins extrativistas para enriquecer a Coroa e os amigos do poder em Portugal, em geral só de passagem tormentosa e temporária por essas terras longínquas. Fosse a concessão de bons empregos ou a propriedade de terras, de lavras e títulos, quase tudo dependia dos humores e favores dos governantes de plantão.
Quatrocentos anos depois, o que mudou foi o teor das benesses. Agora, as concessões gravitam em torno dos fundos públicos, dinheiro dos contribuintes manejado como se fora uma fortuna privada disposta a bel-prazer pelo donatário. Um exemplo: a romaria de prefeitos e governadores a Brasília em busca de recursos deveria, por si só, indignar os que acham que a monarquia acabou em 1889. Mas a deturpação vai mais longe. É corriqueiro que um ministro, de qualquer governo, só marque uma audiência depois da intercessão de parlamentares da sua base política. E ai dele se não o fizer.
Pela ética pública brasileira, ninguém está fazendo nada de errado. Nem os ministros, nem os políticos e nem ninguém. Na verdade, esse é o nosso modelo de gestão do Estado, impregnado há séculos como normal e aceitável. Mas, no fundo, o governador-geral e a Corte seguem reproduzindo as mesmas cerimônias de beija-mão, com suas trocas de favores, para só então atender os anseios dos súditos.
Soma-se à ascendência do critério político sobre o técnico a aberração das emendas parlamentares e temos o coquetel no qual a corrupção se esbalda, independentemente de quem seja o governante de ocasião. Na prática, as estripulias não cessarão enquanto se tolerar intermediações para liberar recursos ou que partidos disputem a tapa cargos de segundo escalão de uma autarquia anônima da qual só se ouvirá falar quando um escândalo vier à tona.
Há avanços no enfrentamento da corrupção, como a maior autonomia de órgãos de controle e fiscalização, mas eles não são onipresentes e nem imunes a manobras. Como se vê todos os dias, hábitos e costumes herdados da colonização não mudam assim. A solução, portanto, é secar a fonte: reproclamar a República Federativa e desidratar os governos ao mínimo necessário para atender de forma justa, honesta e transparente a quem mais e de fato precisa. Mas a cultura política que vem desde a Colônia não admite abrir mão do poder de conceder e dos paparicos da Corte. E nem sequer uma reforminha administrativa consegue dar dois passos antes de ser abatida.