Um estudo feito pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) alerta para a possibilidade do surgimento de epidemias e pandemias a partir do Brasil. O material foi publicado na revista científica Science Advances, dos Estados Unidos. "Atualmente, o Brasil combina vulnerabilidades socioecológicas e uma crise econômica e política em curso que fazem do país uma potencial incubadora da próxima pandemia", afirma a introdução do estudo.
Os pesquisadores dizem levantar uma "bandeira vermelha" para os riscos de surgimento de zoonoses, doenças que são transmitidas de animais para seres humanos. Áreas da Floresta Amazônica têm maior probabilidade de ocorrer essa situação, conforme o estudo, que analisa todos os estados brasileiros entre 2001 e 2019.
O trabalho identificou 173 parasitas que podem causar 76 diferentes tipos de doenças. Três principais componentes de risco estão em foco na avaliação: vulnerabilidade, exposição e capacidade de enfrentamento. Além disso, são observadas variáveis como a quantidade de espécies de mamíferos silvestres, perda de vegetação natural, mudanças nos padrões de uso da terra, bem-estar social, conectividade geográfica de cidades e aspectos econômicos.
O desflorestamento e a caça de animais silvestres foram destacados como os fatores de "grande relevância" para o surgimento das infecções. No entanto, para que uma zoonose cause cenários mais graves na saúde pública brasileira, é necessária a ocorrência de fatores ecológicos, epidemiológicos e comportamentais da população.
— Para (o surto) evoluir para uma epidemia e, depois, para uma pandemia, vai depender da forma como respondemos a esses surtos, como lidamos com esses casos de zoonoses. Para evitar isso, precisamos ter políticas públicas que sejam integradoras, porque não conseguimos desassociar a saúde humana da animal e da ambiental — diz Gisele Winck, uma das autoras do artigo e pesquisadora do Laboratório de Biologia e Parasitologia de Mamíferos Silvestres Reservatórios do IOC.
As zoonoses ocorrem por meio do fenômeno conhecido como spillover, quando patógenos que circulavam restritamente em um grupo animal saltam da espécie e passam a infectar outras espécies, o que pode incluir seres humanos. A expansão das atividades humanas para regiões de matas e florestas, habitadas por animais silvestres, é um aspecto que favorece ainda mais esse cenário, de acordo com a especialista.
A transmissão das doenças pode ocorrer de forma direta, no contato com secreções (saliva, sangue, urina, fezes) ou contato físico, como arranhaduras ou mordeduras. De forma indireta, a transmissão é feita por meio de vetores como mosquitos e pulgas, por contato indireto com secreções, pelo consumo de alimento contaminado com o agente. A pesquisadora afirma que a atenção a esses surtos é uma questão de qualidade de vida para a sociedade.
— Toda a atividade de destruição da biodiversidade e do ambiente favorece fatores que denigrem a nossa saúde. As caça e a modificação dos ambientes naturais são vias diretas e indiretas para esses patógenos, que não chegariam até nós se não tivessem essas atividades (caça e destruição ambiental). Temos uma cultura de nos perceber como algo à parte da natureza, mas não, nós fazemos parte dela.
O RS no estudo
O Rio Grande do Sul é um dos estados que apresentam baixo risco de zoonoses, segundo o estudo dos pesquisadores brasileiros. Os outros são Pará, Goiás, Paraná, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Alagoas e Sergipe. No entanto, o baixo risco de ocorrência de casos de zoonoses não significa que a situação não deva receber atenção no Estado, afirma o virologista Fernando Spilki, pró-reitor de Pesquisa, Pós-graduação e Extensão da Feevale.
— Zoonoses podem ocorrer em qualquer lugar do mundo, porque existe um nível de diversidade de animais. Escapes podem ocorrer se não respeitarmos os ecossistemas. Na Amazônia há uma biodiversidade muito grande, e uma possibilidade de ter um banco de vírus que convivem com essas espécies. Então, fica facilitado (o surgimento de zoonoses) com a desordem ambiental associada à grande biodiversidade. Nesse ambiente, podemos dizer que o risco é mais alto (da ocorrência de zoonoses) do que no pampa, por exemplo — diz.
Spilki separa as zoonoses em dois grupos. O primeiro é daquelas doenças que podem ser transmitidas por alimentos quando não há o cuidado correto na preparação e consumo, como no caso da salmonela, listeria e hepatite E. O outro grupo é o de zoonoses de grande gravidade, como a raiva, febre amarela e malária, que foram problemas para seres humanos no passado, mas que estão controladas neste momento na maioria dos países.
— No Rio Grande do Sul temos vivenciado o incremento no número de casos de raiva em bovinos porque houve uma série de alterações no uso dos solos e da terra no Estado. É um vírus perigoso para o ser humano, que está circulando e, se não tomarmos medidas adequadas, pode haver algum escape para oser humano. Dizer que o risco é baixo não quer dizer que o risco inexiste — pontua.