Você está em um avião que passa súbita e violentamente por uma turbulência. Os passageiros se olham, alguns pensam coisas horríveis, até que se ouve a orientação da tripulação: “Apertem os cintos porque estamos atravessando uma área de turbulência”. Se tem alguém dando instruções, então há comando e controle. Finalmente, ouve-se a voz do piloto informando que “acabamos de atravessar uma área de turbulência”. Para alívio de muitos passageiros, o comandante pode até discorrer sobre a segurança do avião nestas circunstâncias.
O que a tripulação faz nestas horas é transmitir informações baseadas em técnica e equilíbrio, não muito diferente da prática do jornalismo em momentos de sobressaltos, como o que vivemos no início da semana, com a crise do mamute chinês Evergrande. Tais momentos de inquietação, como se assiste também durante a pandemia, levantam uma questão: e se não houvesse jornalismo, se não houvessem repórteres, editores e comentaristas que, baseados em técnica, apuração da verdade e experiência não iluminassem as dobras das crises para orientar a população a navegar nestes mares revoltos? Ou para vigiar os poderes e levantar questões incômodas? Ou ainda para denunciar malfeitos e identificar e disseminar bons exemplos e boas causas?
Muita gente pode não ter se dado conta, mas em todo o mundo esse jornalismo independente que divulga informações e orientações abalizadas baseadas no interesse comum está ameaçado pela gradual erosão de receitas. Numa tendência global, mais de metade das verbas publicitárias digitais já são capturadas por Google e Facebook, em uma concentração de poder jamais vista e que preocupa muitos países.
No Brasil, segundo o Atlas da Notícia, 16% da população já não conta com um meio de comunicação na própria cidade – ou seja, fica à mercê de boatos e rumores espalhados por aventureiros ou ingênuos. Em alguns casos, políticos e empresários locais são submetidos até mesmo a extorsões por bandoleiros digitais que se aproveitam de vácuos nas leis ou do medo e paralisia nas reações. Em escala mundial, se não houver uma reversão da tendência, a desintegração do jornalismo independente e de qualidade vai produzir, em uma ou duas gerações, um caos informativo, no qual as versões dos fatos serão controladas por governos ou estarão a serviço da especulação, do fanatismo ou do ativismo puro e simples.
Sem as barreiras de contenção do jornalismo profissional, crises financeiras sistêmicas – reais ou forjadas – criarão ondas de pânico e se tornarão um cataclismo de dimensões inimagináveis. É também por isso que muitos países, da Europa à Austrália, começam a aprovar legislações que obrigam as megaempresas digitais a negociar em bases simétricas a devida remuneração pelo uso de conteúdos jornalísticos nas suas plataformas. Antes que seja tarde demais, as tripulações estão reassumindo o comando das aeronaves.