As marcas da enchente de maio de 2024 ficaram em uma foto da inundação de 1941. O painel está na entrada do estacionamento do DC Shopping, no bairro Navegantes, em Porto Alegre. A imagem é uma recordação da grande cheia da década de 1940, com homens em um barco na porta da fábrica A. J. Renner, que fica em frente ao shopping.
O complexo da antiga fábrica de roupas, origem da Lojas Renner, é ocupado pelo Instituto Caldeira, que teve todo o primeiro andar inundado. O hub de inovação ficou fechado entre 3 de maio e 10 de junho. Na fachada do prédio, na esquina da Rua Frederico Mentz com a Travessa São José, a marca de barro indica que o nível da enchente chegou a 2m25cm. Pelos registros dos jornais, a inundação de 1941 ficou em aproximadamente 1m50cm no local.
O DC Shopping também ficou com mais de 2m de altura de água. A reabertura do empreendimento deve ocorrer em três meses. Sobre a memória das duas enchentes no bairro, a superintendente do DC Shopping, Marise Mendes Mariano, revela que o plano é manter a foto de 1941 com a marca barrenta da última enchente e fazer novo painel com imagem da Rua Frederico Mentz em maio de 2024.
Enchente na Renner
Antes do aterramento feito para construção do novo Cais Navegantes e do dique formado pela Avenida Castello Branco e pela Freeway, o Guaíba estava mais próximo da fábrica da Renner em 1941. Os bairros Navegantes, São João, São Geraldo e Floresta foram os mais afetados pela enchente. Em 7 de maio de 1941, o Jornal do Brasil publicou que a altura da água chegou a um metro e meio dentro da fábrica A. J. Renner, que empregava mais de dois mil operários.
Em 18 de maio, dez dias depois do pico da enchente, o Diário de Pernambuco publicou o relato do jornalista Carlos Rizzini: "navegamos no interior da fábrica de casimira dentro de um caiaque e assistimos, junto aos seus depósitos, o ingente esforço para retirar do fundo das águas escuras meadas e meadas de lã".
A inundação durou mais de 15 dias nas grandes fábricas de tecidos do 4º Distrito. O empresário A. J. Renner estimou que precisaria de um semestre para a fábrica "voltar à cadência anterior". Em 23 de maio, o jornal carioca A Noite noticiou que, além da perda de estoques de lã, teares e máquinas de fiação ficaram completamente enferrujados. Os escritórios estavam "imprestáveis".
O estádio do G. E. Renner, clube de futebol formado por funcionários da empresa, também ficou inundado na esquina das avenidas Sertório e Farrapos.
Enchente no Instituto Caldeira
O Instituto Caldeira foi fundado em 2020 por 42 grandes empresas. Abriu as portas em 26 de março de 2021. Sem fins lucrativos, tem o propósito de impulsionar transformações através da inovação. O hub de inovação ocupa 22 mil m² do complexo antigo da Renner. Em média, 1,8 mil pessoas circulam diariamente pelo espaço, considerando os eventos e as 130 empresas que mantêm escritórios no local.
Em 3 de maio de 2024, o complexo foi evacuado após o início da inundação na região. Em carta aberta, o diretor-executivo do Instituto Caldeira, Pedro Valério, escreveu que o espaço de inovação nasceu na pandemia de Covid-19 e "vai sobreviver a uma enchente". Na fachada, a marca indica que o nível da água chegou a 2m25cm.
O Caldeira é âncora de uma transformação em andamento na economia da cidade. Ele tem escritórios de empresas, instituições e até a sede da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Turismo. Com o sucesso do projeto, foi anunciada neste ano a ampliação das operações para os prédios da antiga fábrica de tecidos Rio Guahyba, que fica em frente e também foi inundada em 1941.
Ocupando o segundo e o terceiro andares, a reabertura do Instituto Caldeira ocorreu em 10 de junho.
Como foi a enchente de 1941
A chuva no Estado começou em 10 de abril, uma Quinta-Feira Santa. Por 35 dias, o Estado foi castigado pelos temporais. Em Porto Alegre, choveu em 22 dias neste período, acumulando 619,4 milímetros.
Depois do caos no interior, os rios Jacuí, Caí, Sinos e Gravataí encheram o Guaíba. Com 272 mil habitantes, Porto Alegre ficou com suas principais áreas comerciais e industriais embaixo d´água no início de maio, quando o vento Sul represou o Guaíba.
Baseados na experiência de outra grande enchente, de 1928, muitos porto-alegrenses demoraram para se convencer da gravidade. Em 8 de maio de 1941, o nível do Guaíba atingiu a marca de 4,76 metros no Cais Mauá, onde a cota de inundação é de três metros.
As consequências da enchente de 1941 foram sentidas por muito tempo. Em 1967, outra cheia do Guaíba deixaria partes da cidade embaixo d´água. Depois dos traumáticos episódios, Porto Alegre construiu o muro da Avenida Mauá e um sistema de diques.
Na enchente de maio de 2024, a marca de 4m76cm foi superada no início da noite de 3 de maio. No madrugada de 5 de maio, foi registrada a maior marca da história do Guaíba no Cais Mauá: 5m35cm.