Completam-se 80 dias hoje desde aquele 3 de maio em que o centro de Porto Alegre foi tomado pela água. Naquele instante, já haviam sofrido impactos profundos, com mortes e destruição de estruturas diversas, municípios da Serra, da Região Central e do Vale do Taquari. São quase três meses da maior catástrofe climática da história do Rio Grande do Sul.
Como já defendi neste espaço, é muito importante mostrar que o Estado continua pujante e produtivo, sob risco de afastarmos investidores e turistas de terras gaúchas. Contudo, é igualmente necessário admitir que muito pouco da ajuda prometida pelo governo se transformou em realidade, e que não, não está tudo bem.
Não foi considerado que estabelecimentos cujas sedes não estão em áreas alagadas também sofreram forte abalo em suas atividades e, portanto, em seu faturamento?
São muitos os exemplos nesta direção. Como mostrou o colunista Matheus Schuch em Zero Hora, o anúncio feito pelo vice-presidente Geraldo Alckmin de um acordo com fabricantes de eletrodomésticos que garantiria um desconto estimado em 15% de produtos da linha branca para atingidos pela enchente não passou de promessa. Feita em maio. Até hoje, não saiu do papel.
Vejamos outro ponto. São dezenas de relatos de empresas que não conseguem acessar o crédito anunciado pelo governo federal porque não estão na chamada “mancha de inundação”. Ora, parece óbvio, mas não foi considerado que estabelecimentos cujas sedes não estão em áreas alagadas também sofreram forte abalo em suas atividades e, portanto, em seu faturamento? São lojas, restaurantes, hotéis que perderam clientes porque no bairro não havia energia elétrica ou abastecimento de água, ou mesmo pelo isolamento por conta do fechamento do aeroporto.
E o que dizer dos sistemas de proteção contra as cheias? Se hoje fôssemos atingidos pela mesma chuva estaríamos igualmente em apuros. Que projeto andou de lá pra cá?
Brasília tem um tempo diferente, dirão alguns. E, de fato, é de assombrar a lentidão da máquina pública versus a urgência que a calamidade impôs. Basta lembrar, ainda no tema isenção de IPI para linha branca, que o projeto aprovado pela Câmara em 22 de maio só foi chancelado pelo Senado na semana passada – dois meses depois!
Agora imagine um pai ou uma mãe que perdeu tudo, mas precisa cozinhar para alimentar a si e aos filhos. Sentados, aguardam a burocracia pública para comprar um fogão sem o imposto. Seriam 80 dias de fome. E contando.