Há algum tempo tenho me dedicado à leitura de questões relacionadas a gênero. Para além de gosto pessoal, me interessa saber as razões pelas quais avançamos no passar dos anos ainda presos em uma estrutura que perpetua a ideia de que às mulheres cabe o papel de cuidadora e aos homens, o de provedor do lar. Se você acha essa perspectiva exagerada, lembre-se que a licença-maternidade é de quatro meses no Brasil; a paternidade, de cinco dias.
Não somos nós, mulheres adultas, as principais vítimas
O fato é que, imersa nessas leituras, por anos reiterei em mim a convicção de que devemos lutar para combater a violência sexual à qual são submetidas, diariamente, milhares de mulheres. E confesso ter me espantado com minha própria ignorância diante do dado de que nós, mulheres adultas, não somos as principais vítimas de estupro no Brasil.
Foi pela advogada Luciana Temer, presidente do Instituto Liberta, que soube que mais da metade dos estupros no Brasil ocorre contra as crianças. Sim. Repito. Não somos nós, mulheres adultas, as principais vítimas. São crianças pequenas. Está lá, no Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Em 2023, 61,4% dos estupros ocorridos no Brasil foram praticados contra menores de 13 anos. Seis em cada dez.
Esse número tem ecoado na minha cabeça desde então. Como podemos continuar, diante de um absurdo normalizado? Como o Congresso Nacional ainda não apresentou um plano para combater essa epidemia? O Poder Executivo? As entidades privadas? Como dormir tranquilo diante da barbárie exposta em estatística?
E a professora Luciana foi além: 70% desses estupros (contra crianças) ocorrem dentro de casa. É assombroso, sob todos os aspectos. Para quem a criança reclama se é o próprio familiar que a está violentando sexualmente? Como garantir que ela tenha consciência de que aquela é uma conduta inadequada? Quem protege nossos meninos e meninas dentro do ambiente que deveria ser o mais seguro? Não se trata de aplicar penas duríssimas (isso é fundamental, óbvio), mas de garantir que a criança seja ouvida, assistida, orientada.
É urgente que esse dado reverbere em nossa sociedade. E igualmente urge a necessidade de que, reconhecido o problema, se apresentem políticas públicas eficazes e capazes de combatê-lo.