A água engoliu móveis, alimentos e esperança, mas não aniquilou o negócio centenário. No coração do Mercado Público de Porto Alegre, a Banca do Holandês resiste. Em 2024, a loja completa 105 anos em operação.
Fundado em 1919 por um holandês chamado Dirk Van Den Brul, o lugar venceu tudo: incêndios, crises econômicas, pestes e enchentes. A última delas, em maio, fez estrago. Só não foi pior graças à obstinação dos funcionários e da família que administra o estabelecimento há décadas — Sérgio Lourenço, o pai, Renata Alcântara e Lourenço Rosa, os filhos.
Quando soou o alerta climático, Renata não teve dúvidas: disse a Sérgio e ao irmão que mandaria tirar tudo o que fosse possível do local (são 9 mil itens alimentícios, vindos de 26 países). O pai não acreditava que a cheia do Guaíba pudesse superar a de 1941 e desencorajou Renata.
— Eu mandei esperar, mas ela não me ouviu. Foi a salvação. Tiramos quatro caminhões carregados de lá antes de ficar tudo submerso — recorda Sérgio, lembrando que a maioria dos mercadeiros pensava como ele e teve grandes prejuízos.
Mesmo com a maior parte do estoque salva, não foi fácil superar o momento crítico, a começar pela angústia da espera. Passaram-se 41 dias até a reabertura parcial do prédio histórico, depois de duas semanas de limpeza e trabalho pesado. Todas as bancas no térreo tiveram de ser reconstruídas, incluindo a do Holandês, que perdeu móveis e equipamentos.
Desistir? Jamais. A palavra “derrota” não faz parte do vocabulário de quem trabalha no local, onde foi estendida uma bandeira do Rio Grande. Estive lá e testemunhei o cuidado, o orgulho e a dedicação da equipe.
— Foi emocionante ver todos pegando junto, uma lição de vida que nunca vou esquecer. Vencemos mais uma batalha. Não vamos nos entregar — diz Sérgio.
O futuro
O principal desafio, agora, é a volta do público. Não há mais sujeira nem mau cheiro. O Mercado foi higienizado, a maioria das lojas está reaberta, mas o movimento ainda está longe do que foi um dia, o que preocupa os mercadeiros.
Parte do problema deve-se às dificuldades de acesso (a Trensurb, por exemplo, ainda não voltou 100% e os terminais de ônibus também não estão totalmente normalizados) e à situação do Aeroporto Salgado Filho, que segue fechado (parte do movimento no Mercado vem do turismo). Outro ponto de preocupação é baque no Centro Histórico, que teve muitos prédios atingidos pela água, inclusive de escritórios e lojas, que ainda não voltaram a funcionar.
Na avaliação de Sérgio Lourenço, há ainda mais um ponto a ser discutido: a necessidade de atualizar o Mercado, sem alterar sua identidade, para atrair novos públicos, ávidos por experiências gastronômicas únicas.
O sócio da Banca do Holandês cita como exemplos disso estabelecimentos em Madri e Barcelona, na Espanha, e também em São Francisco, nos Estados Unidos. Lá, você pode fazer compras nas bancas, como aqui, mas também tomar vinho em taça e petiscar lanches frescos, feitos na hora, para comer ali mesmo, junto ao balcão.
— Precisamos oferecer novos serviços, porque não dá para seguirmos competindo com as grandes redes de supermercados. Por que não aproveitamos mais o espaço dos corredores para instalar mesinhas com banquetas e oferecer comida? Quando viajo, faço questão de visitar Mercados e gosto, especialmente, daqueles onde posso viver esse tipo de experiência. Não é preciso ir longe, basta visitar o Box 32, no Mercado Público de Florianópolis. Poderíamos ter algo assim aqui — sugere o empresário.
Quem sabe o momento atual, depois de tudo o que se passou, não é a oportunidade que faltava para Porto Alegre avançar nesse debate?
Bússola
- Onde fica? Bem no centro do Mercado Público de Porto Alegre (banca 31)
- Qual são os horários de funcionamento? De segunda a sexta-feira das 7h30min às 19h e aos sábados das 7h30min às 18h
- Como comprar online? Basta acessar o site bancadoholandes.com.br
- Quais são os contatos? Pelo WhatsApp (51) 9997-6571 ou pelo telefone (51) 3212-3123
Com produção de Maria Clara Centeno