Aconteceu. A inteligência artificial (IA) não só ressuscitou Elis Regina, morta em 1982, como pôs Elis lado a lado com a filha, Maria Rita, em um reencontro inesperado e polêmico, que acionou um longo e delicado pavio de emoções. E com razão.
Criado para marcar os 70 anos da Volkswagen no Brasil, o vídeo ultrapassou as fronteiras da publicidade. Pela temática, pelo ineditismo e pelo uso de uma tecnologia que ainda não conhecemos bem, virou um dos assuntos mais comentados nas redes e desencadeou um turbilhão de questionamentos. Elis teria aprovado? Trazê-la de volta à "vida" dessa forma é mesmo uma boa ideia ou algo mórbido e de mau gosto? Há limites para a IA? Maria Rita agiu certo? Faz sentido atrelar uma canção histórica a uma marca de carros?
Na gravação, as duas interpretam juntas um dos maiores clássicos da carreira de Elis: Como Nossos Pais, letra-manifesto de Belchior, autor da canção que até hoje mexe com corações e mentes. Elis solta a voz como nunca, enquanto dirige uma antiga Kombi, ao lado de Maria Rita, que conduz uma versão atualizada do icônico modelo.
Comandada por humanos, claro, a IA reproduziu o rosto, a compleição física e até os trejeitos da intérprete que nos deixou de forma abrupta, aos 36 anos. Ela aparece sorrindo e trocando olhares cúmplices com sua menina, a quem não via desde que Maria tinha quatro anos. Mas há algo diferente no seu rosto, difícil traduzir em palavras: é Elis que está ali, mas também não é. Não, não é natural.
Depois de lançada a campanha, Maria Rita contou ter realizado um antigo sonho. "Foi um momento mágico", descreveu ela no Instagram. A postagem já tem centenas de comentários. Em um único dia, o vídeo somou mais de 700 mil visualizações no canal da VW no YouTube, fora o resto, e os pitacos se multiplicaram.
Houve quem amasse, houve quem odiasse.
Biógrafo de Elis, o gaúcho Arthur de Faria fez críticas duríssimas, lembrando que Pimentinha cantava aquela música com "ódio", ao falar da "dor de perceber" que, apesar de tudo, sua geração ainda era a mesma e vivia como a de seus pais.
Na propaganda, o tom é outro, de alegria e celebração. Seria um desvirtuamento da letra? Arthur tem certeza de que, se estivesse viva de verdade, Elis odiaria o vídeo, mas, em História, não existe “se”.
No fim das contas, os publicitários atingiram o objetivo, Maria Rita realizou o desejo impossível e muitos dos admiradores choraram ao ter a chance de rever Elis - ou o que os algoritmos fizeram dela.
A maior cantora que o Brasil já produziu, infelizmente, não vai voltar. Isso a tecnologia ainda não conseguiu.