O jornalista Caio Cigana colabora com a colunista Juliana Bublitz, titular deste espaço
A chamada Festa da Colheita é uma espécie de encerramento do calendário de eventos relacionados à Oktoberfest de Igrejinha, que neste ano voltou ao formato usual, após um hiato de dois anos devido à pandemia. É mais uma celebração, mas tem um caráter que vai muito além do divertimento. Marca a prestação de contas da organização da tradicional festividade de outubro e é quando se anuncia a divisão dos recursos arrecadados nos dias de animação, dança, chopp e culinária típica alemã. O presidente do Hospital Bom Pastor, Wolmir Müller, subiu ao palco para receber um cheque simbólico de R$ 1 milhão. A verba, ainda sem destinação específica, será utilizada para qualificar e ampliar o atendimento à população do município do Vale do Paranhana e de outras cidades próximas.
A distribuição do lucro da Oktoberfest de Igrejinha, que agora chegou à 33ª edição, é uma prática de quase duas décadas. Neste ano, serão R$ 5,3 milhões divididos. Uma parte menor, R$ 902 mil, fica no fundo de reserva e de investimentos da Associação de Amigos da Oktoberfest de Igrejinha (Amifest), promotora do evento. O restante, cerca de R$ 4,4 milhões, retornará à comunidade em forma de serviços em áreas – além de saúde – como segurança, educação, patrimônio histórico, cultura, esporte e assistência social. Serão beneficiadas 92 entidades locais e de municípios das redondezas.
Como isso é possível? Pelo engajamento da comunidade. A Oktoberfest de Igrejinha é realizada basicamente com a força do voluntariado. Aproximadamente três mil pessoas se somam para trabalhar sem custos para a festa, que dois meses atrás atraiu mais de 200 mil visitantes. Excetuando-se os serviços de segurança e limpeza, contratados, todas as demais tarefas, da gestão ao atendimento aos frequentadores do evento, são exercidas por voluntários. Sem esses custos, o resultado financeiro é alto e volta para a própria comunidade em forma de serviços essenciais.
– O sucesso da festa está atrelado aos voluntários – resume o analista de controladoria Tiago Petry, presidente da 33ª Oktoberfest de Igrejinha, avaliando que o espírito de ajuda mútua remonta à época da colonização da região, no século 19, quando os imigrantes alemães tinham de fazer mutirões para erguer benfeitorias nas propriedades e dar conta de lidas mais trabalhosas.
Assim, além de festejar, a cidade encontrou uma forma de também suprir carências e qualificar o atendimento à população. Não só de Igrejinha, uma vez que as pessoas que doam trabalho para o evento também são de municípios próximos. Por mais que prefeituras ou governo do Estado se esforcem, em regra não há recursos orçamentários suficientes para todas as demandas. A mobilização da comunidade local banca obra complexas e singelas. Desde a construção de um novo bloco cirúrgico do Hospital Bom Pastor ao conserto do telhado de uma instituição de amparo a crianças e adolescentes em situação de risco. Os beneficiados também têm de prestar contas do recursos recebidos e devem se comprometer a não usar a verba para gastos ordinários, como folha de pagamento. O dinheiro se destina a investimentos e melhorias no atendimento à população local.
Mesmo que não exista entidade que ateste, a organização diz desconhecer outro caso no país de tamanha união de esforços de pessoas dedicadas a viabilizar um evento sem cobrar nada pelo trabalho. Assim, consideram ser a maior festa comunitária do Brasil. O empenho colaborativo também rendeu à Igrejinha o reconhecimento do poder público gaúcho como Capital Estadual do Voluntariado. Credenciais formais à parte, o certo é que é um belo exemplo a mostrar como uma coletividade comprometida pode melhorar a qualidade de vida da população, enquanto brinda e celebra a sua cultura.
Investimentos em saúde, segurança e educação
Todos, um dia, vão precisar de atendimento no hospital, diz o presidente da 33ª Oktoberfest de Igrejinha, Tiago Petry, ao explicar a prioridade que a instituição local recebe no repasse dos recursos da festa do município. A própria unidade prestadora de cuidados de saúde contabiliza, desde 2014, mais de R$ 3 milhões recebidos, sem contar a quantia de R$ 1 milhão do evento de 2022. E isso que, nos dois anos anteriores, devido à pandemia ter limitado as festividades, o direcionamento de verbas escasseou.
Com os R$ 925 mil obtidos entre 2015 e 2016, por exemplo, foi possível construir o centro cirúrgico no Hospital Bom Pastor. Mas outras casas de saúde da região também são agraciadas. Neste ano, foram R$ 290 mil direcionados a instituições de municípios próximos.
– Os recursos repassados anualmente pela Amifest ao Bom Pastor têm sido a grande fonte de investimentos e possibilitado a ampliação de serviços e da estrutura física, a exemplo da emergência, do centro cirúrgico, do centro obstétrico, as aquisições de equipamentos, móveis e melhorias internas. A qualificação do hospital depende desses repasses que acontecem anualmente. Toda a região se beneficia – diz o diretor-geral do hospital, João Schmitt.
O faturamento de edições anteriores da Oktoberfest permitiu ainda a aquisição de ambulâncias e equipamentos para os Bombeiros Voluntários de Igrejinha, viaturas para a Brigada Militar utilizar no policiamento da cidade e da região e desfibriladores e desencarceradores para o Corpo de Bombeiros Militar.
O comandante da unidade dos Bombeiros Voluntários de Igrejinha, Joni Rodrigo Feltes, é outro a reconhecer a importância da ajuda da Amifest. Sem esses recursos, precisariam buscar outras formas de ter veículos e itens indispensáveis para o trabalho.
– Teríamos de recorrer a doações da empresários, rifas, bailes, pedágio. Os repasses vêm ao encontro das nossas maiores necessidades – diz Feltes.
Além de materiais como equipamentos de proteção individual, os bombeiros voluntários já conseguiram, em anos anteriores, adquirir uma ambulância com o dinheiro arrecadado na Oktoberfest. O veículo será substituído por outro. Um furgão foi comprado com recursos de um convênio com a Empresa Gaúcha de Rodovias (EGR), mas ainda faltava verba para transformá-lo em uma unidade de resgate apropriada, o que será viabilizado com o repasse de R$ 121,5 mil da festa deste ano.
A Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) da cidade é outra beneficiária. Já ganhou veículo adaptado para o transporte das crianças e foi contemplada com dinheiro para a construção de uma piscina térmica. A educação não foi esquecida. A verba possibilitou a instalação de aparelhos de ar-condicionado nas salas de aula de toda a rede municipal e a aquisição de notebooks para alunos e professores.