"O destino embaralha as cartas, e nós jogamos." (Arthur Schopenhauer)
A busca constante da felicidade é completamente coerente com a nossa tendência de renunciar a sacrifícios e fugir de qualquer forma de sofrimento físico ou emocional.
Mas isso não contradiz a observação de que as pessoas que passaram, sem terem escolhido, por uma grande provação se mostrem mais predispostas ao convívio humano empático e generoso. O sofrimento é uma escola circunstancial, involuntária, que acolhe vítimas de alguma tragédia aleatória, para cuja sobrevivência se exigiu predicados de grandeza que ou não existem ou estão adormecidos, na maioria dos acomodados na paz de espírito dos que se sentem felizes.
Costumo alertar aos doutorandos que logo adiante irão frequentar diuturnamente este verdadeiro laboratório de sentimentos humanos, e espera-se que adquiram um tipo especial de sapiência, que brota no sofrimento e que não se encontra nos livros acadêmicos.
As pessoas agraciadas, com a conivência do acaso, a viverem com vento a favor nunca se preocupam em agradecer por terem sido selecionados para a felicidade e seguem exultantes com a sua própria sorte. Alguns, igualmente sem escolha, são jogados no turbilhão do infortúnio seja por ruína financeira, uma doença degenerativa, um inesperado abandono afetivo ou a morte extemporânea de um amado.
Como a vida segue seu rumo implacável, completamente indiferente aos nossos sonhos, preces e promessas, esses dois grupos se encontrarão no futuro, porque não há como evitar esses confrontos. E quem for espectador atento terá a chance de aprender com as diferenças. O médico, por força do sua atividade, é o profissional que mais vezes se defronta com pessoas que foram expostas aos extremos da alegria e da tristeza. E é exatamente da convivência com o paroxismo dessas vivências que se pode construir, com humildade e olhos e ouvidos muito abertos, alguma sabedoria.
Costumo alertar aos doutorandos que logo adiante irão frequentar diuturnamente este verdadeiro laboratório de sentimentos humanos, e espera-se que adquiram um tipo especial de sapiência, que brota no sofrimento e que não se encontra nos livros acadêmicos.
Na verdade, se depois de 10 anos de atividade regular o médico ainda não se se transformou num especialista em gente, só tem uma explicação: ele não se deu o tempo de ouvir as pessoas, e infelizmente não aproveitou a oportunidade ímpar de aprender com elas.
Estou convencido de que a alegria e a tristeza são as únicas linhas paralelas que, um dia, se encontrarão. Quando penso nisso lembro do Adroaldo, que me escreveu dizendo que me considerava muito exigente na eleição dos pré-requisitos para a felicidade. Na sua opinião, o que está faltando no mundo é simplicidade. E ele disse que não entendia essa dependência crônica de ajuda de psicoterapeutas e coachs, quando só bastava que o mundo fosse menos exigente consigo mesmo. Para ilustrar sua convicção, contou que ao fazer um churrasco solitário num domingo ensolarado se deu conta de que era feliz e do quão pouco precisava pra que isso acontecesse.
E no outro extremo, a Ana, que perdeu a filha amada depois de meses de luta insana em que varou noites de desespero e dias de esperança, e chegou a provar a sensação fugaz de que tudo tinha finalmente dado certo quando, de repente, um inimigo que infelizmente ainda não conhecemos bem, chamado rejeição, chegou para dizer que ainda não era hora de festejar. Semanas depois, quando eu quis saber como estava sobrevivendo à maior dor, ela resumiu: "Tentando juntar os cacos, mas está muito difícil, porque tenho um buraco no peito e os braços vazios. Mas sigo lutando, procurando viver um dia de cada vez, e a propósito, só por hoje, está dando certo: sobrevivi!".