Os médicos modernos têm justo orgulho de admitir que sabem mais do que seus antecessores, mas não conseguem evitar o constrangimento ao depararem com pacientes idosos referindo-se, com nostalgia, aos doutores de antigamente.
Como médicos, resta-nos admitir que erramos ao ignorar que toda a tecnologia, que nos orgulha, não modificou o medo do desconhecido e as fantasias de morte dos nossos pacientes, porque essas condições são inerentes à espécie humana.
Minha percepção de que a formação médica estava deficiente foi despertada pela convivência com recém graduados, com excelente formação teórica, cheios de motivação e boa vontade, e que não conseguiam convencer nenhum paciente a aceitar condutas médicas elementares porque, obviamente, lhes faltavam as melhores palavras.
Sabemos muito mais hoje, mas os pacientes não nos percebem melhores.
Comecei então a colocar, como último slide em cada aula da graduação, uma situação hipotética da relação médico/paciente. A aceitação dessa oferta pedagógica ficou evidente pelo interesse crescente daqueles que tinham percebido que o médico bem-sucedido que idealizavam não poderia ficar focado unicamente na doença, ignorando o sofrimento de quem tinha adoecido. Esse descontentamento revelado pelo número crescente de queixas e demandas judiciais mostrava que estávamos diante de um paradoxo: sabemos muito mais, mas os pacientes não nos percebem melhores.
Na verdade, os braços longos da tecnologia aumentaram a distância do cuidador, justamente no momento de maior fragilidade emocional de quem devia ser cuidado. Com razão, o paciente não entende que seja considerado um progresso sentir-se transformado numa doença ambulante, despojado de sentimentos, à mercê de aparelhos coloridos e sofisticados que podem encantar os médicos, mas que não despertam nele o estímulo à confidência, à confissão do medo que ameniza a tensão, ou a oferta de um abraço que afrouxa as amarras da solidão.
Assumindo que a humanização era o único caminho para o resgate da dignidade da nossa maravilhosa profissão, decidimos, aproveitando um relacionamento fraterno e profícuo com o grupo Humanidades na Saúde do Hospital Samaritano do Rio, pôr prática um projeto antigo: criar um Curso de Extensão sobre Medicina da Pessoa, contando com o respaldo acadêmico da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), o apoio logístico do Centro de Ensino e Pesquisa da nossa Santa Casa e o patrocínio de Sindicato Médico do RGS (Simers) e do Conselho Regional de Medicina (Cremers).
O objetivo é oferecer aos interessados a oportunidade de discussão com professores experientes, os meandros e labirintos da relação médico/paciente, certamente determinante de sucesso profissional neste mundo cada vez mais competitivo.
Em tempos de inteligência artificial, parece óbvio que o médico que melhor souber administrar os sentimentos humanos, mais inalcançável estará em relação ao robô. E desses sentimentos, ignorados nos livros técnicos, nos ocuparemos aqui.
O curso, que se destina a acadêmicos de Medicina e médicos jovens, sente-se lisonjeado com o apoio de 31 das melhores faculdades de Medicina do Brasil, e que na última edição (2023) contou com 906 alunos matriculados. As aulas são ministradas através da plataforma Zoom. O curso é gratuito e será apresentado em 10 sessões mensais, sempre na primeira segunda-feira do mês, de março a dezembro de 2024. Nesta segunda-feira (4/3), às 19h, daremos início à quarta edição. As inscrições e orientações do acesso virtual estarão disponíveis para os alunos através do site oficial: medicinapessoa.com.br. Venha ouvir aqui o que te fará um médico ainda melhor.