O conhecimento médico evoluiu como um turbilhão nas últimas décadas, acelerado pela disponibilidade sem precedentes da comunicação instantânea e favorecido pela comunhão das ciências mais diversas, resultando em transformações conceituais, impactantes na história na medicina. Nunca houve tanta informação disponível, e nunca tantos e tão insuspeitados horizontes foram descortinados.
Estamos convivendo, com naturalidade, com recursos diagnósticos e tratamentos inimagináveis há poucos anos. Mas o entusiasmo para comemorar essas conquistas arrefece com a observação de que igualmente nunca houve tantas queixas e demandas judiciais, no dia a dia da atividade médica.
Alguns colegas, diante do desconforto de assumir os equívocos que cometemos, terceirizam a culpa desse descompasso, atribuindo-o à pressa insana da civilização moderna e à despersonalização da medicina, em prol das máquinas produzidas por tecnologias deslumbrantes. Raros se deram ao trabalho de assumir que a presença do médico foi sendo ofuscada porque, por comodismo, passou-se a focar nas doenças, ignorando que os pacientes estavam se sentindo como objetos a serem dissecados nas suas patologias, por máquinas exaltadas pelos próprios médicos como fantásticas.
"O doutor nem me encostou a mão" é um brado pungente contra a escassez de afeto na relação médico e paciente.
Quando ingenuamente se supôs que as informações oferecidas pela tecnologia podiam dispensar, por exemplo, o exame físico, mais do que depreciando um método semiológico insubstituível estávamos negligenciando o toque humano, que é valorizado pelo paciente como parte de um ritual, originalmente, responsável pela relação interpessoal não amorosa mais densa que pode existir entre dois indivíduos, que eram completos desconhecidos até que um deles adoeceu. A queixa frequente de "O doutor nem me encostou a mão" é um brado pungente contra a escassez de afeto expressa nessa omissão.
Um dia desses, provei eu mesmo do veneno do modernismo: expliquei demoradamente, no consultório, a um paciente antigo que tínhamos que avaliar com mais profundidade a sua apneia do sono, essa dificuldade ventilatória que determina obstrução parcial da entrada de ar nos pulmões, por relaxamento da musculatura, em determinadas fases do sono. Ele me interrompeu: "Meu outro médico também me explicou que eu preciso dormir num laboratório. Já disse que isso não faço. Só durmo na minha cama!".
Tendo aprendido que não se consegue dobrar a força da teimosia do idoso, ofereci uma alternativa, menos adequada, mas que podia ser útil: "O senhor. pode alugar um desses aparelhos, levar pra casa, dormir com ele durante uma semana, e em nova consulta ficará sabendo quantas paradas respiratórias teve, quantas horas usou o aparelho e até se o removeu durante a noite, porque tudo é controlado por satélite".
Sem receptores para esses prodígios tecnológicos, ele reagiu: "Mas Deus me livre, eu dormir com uma coisa me espiando a noite inteira".
Na saída, só me restou um abraço solidário na sua velhinha, que revirara os olhos quando lhe perguntei se ele roncava muito e que, com essa negativa, estava condenada a conviver com os sobressaltos noturnos do seu vizinho de colchão. Um preço que se paga quando há exagero nessas promessas de eternidade.