"Você sabe que envelheceu quando não tem mais vagas para amigos novos." (Carlos Drummond de Andrade)
Amigos podem ser muitos ou raros, dependendo dos critérios de seleção. Mas de qualquer forma eles representam, em quantidade e fidelidade, a reserva de afeto que merecemos. Os menos exigidos serão aqueles que sempre estiveram próximos, fazendo tarefas idênticas, e se confundem com companheiros.
Um grupo diferenciado surge de outro tipo de proximidade: a afetiva. Esses serão poucos. Não importa o quão distantes estejam, os laços que os unem são mais fortes.
Os primeiros são convivas do cotidiano, geralmente submetidos aos critérios frouxos do coleguismo, com as regras naturais das relações sociais, e são importantes na vida associativa, mas neles não se valoriza obrigatoriamente a fidelização, esta virtude que está um degrau acima nas relações humanas.
É muito comum nos ambientes de trabalho as pessoas confundirem convívio antigo com amizade.
Com uma relação social de demandas afetivas modestas, estas amizades, que eu chamaria funcionais, são indispensáveis na construção do trabalho de equipe, que contará sempre com a indispensável figura do gestor, cuja principal função é não permitir que pequenas rusgas comprometam a condição anímica do grupo.
É muito comum nesta condição de compartilhamento morno e prolongado as pessoas confundirem convívio antigo com amizade, como se parceria fosse sinônimo.
Essa imprecisão de rótulos é compreensível nas fases harmoniosas do relacionamento, regidas pelo bom senso, que estimula a fraternidade. Mas quando há uma ruptura, em geral desencadeada por ambição ou inveja, as disparidades afetivas se revelam pela eclosão de sentimentos reprimidos. Então, pretender tolerância e concórdia é pura utopia.
Se houver alguma dúvida entre ser amigo ou companheiro, um litígio esclarecerá: na perda de um amigo de verdade, não se consegue disfarçar o desconsolo, enquanto muitas vezes, na implosão de uma relação mal resolvida com um colega, predomina o alívio.
Neste escaninho das relações, se alojam também os que foram amigos e dispersaram por razões fúteis (alguns) e desconhecidas (outros). As amizades, como os amores perdidos sem razão explícita, deixam como sequela a tendência a latejarem em determinadas datas ou circunstâncias.
Em rigorismo, nada se compara à seleção do amigo verdadeiro. Os critérios básicos, nesta busca, são múltiplos, mas devem incluir: identidade de afetos, ética, disponibilidade, empatia, generosidade, equilíbrio emocional e previsibilidade.
Superada esta triagem, restará uma seleta população que deverá ser novamente peneirada, se pretendermos encontrar o melhor amigo, esse tipo insubstituível e essencial na preservação da autoestima, especialmente naqueles dias sofridos, quando a solidão é intolerável.
O melhor amigo é aquele capaz de sentir orgulho pelas conquistas do amigo, de entender que todos nós temos direito a um dia ruim, e de ouvir, sem dar conselhos, as nossas queixas e impertinências. E depois de tudo, ainda revelar talento para ser confidente e maturidade para compartilhar nossos segredos e vexames, numa daquelas conversas que exigem um bom vinho e são entremeadas de umas pausas relaxantes, que prenunciam a promessa silenciosa de apoio incondicional e antecedem um abraço prolongado. A propósito, não superestime amizades em que o silêncio gera desconforto.
Se você ainda não encontrou esse amigo, não desista, porque ele existe, e você saberá que chegou quando perceber que, com ele, as palavras ficaram cada vez menos necessárias.