Durante meus anos de formação médica, ouvi muitas vezes de professores renomados a recomendação de que devíamos manter uma certa distância afetiva dos pacientes para evitarmos que uma interação mais densa pudesse afetar a neutralidade, que seria imprescindível para a isenção na busca do diagnóstico, especialmente das doenças com desfechos ruins.
Logo depois, o convívio temporário com o formalismo cultural americano só fez reforçar essas teorias.
A partir daí, o exercício médico intenso, mergulhado por escolha (e vá lá, por vocação!) na alta complexidade, onde a proximidade da morte impõe regras de sobrevivência que precisam ser adaptadas ao perfil de cada indivíduo exposto ao enfrentamento de situações extremas, começaram a emergir o que chamo de atualizações de conduta profissional.
Um computador de última geração nunca tomaria a iniciativa de oferecer aquela pequena frase.
A primeira percepção foi de que a atitude rígida recomendada pelos mestres da primeira hora era apenas uma adequação à pobreza afetiva de quem precisava usar o distanciamento como uma forma de manter-se protegido da falta de humanismo que os constrangia. E o ar constante de superioridade era um requinte indispensável na completude do disfarce.
Convivendo com americanos, foi fácil perceber que a impessoalidade das relações humanas, com poucas exceções, era uma característica cultural em que há um recato na exteriorização de qualquer sentimento, alegre, triste, egoísta ou generoso. E que não se pense que não haja nenhuma virtude nesse jeito de ser, porque estaríamos ignorando o quanto há de bom caráter na previsibilidade das atitudes, que o julgamento apressado dos latinos não reconhece nos anglo-saxões.
Em resumo, somos diferentes, e assumir as diferenças é sermos menos intolerantes com as críticas.
Um dia desses, um clínico da velha guarda, carinhoso e chorão, lamentou o quanto a americanização da nossa juventude médica está sendo acelerada pela tecnologia, que, segundo ele, "com seus braços longos está aumentando ainda mais a distância entre o médico moderno no jeito de ser impessoal e o paciente antiquado no seu jeito de sofrer".
O conflito que se estabelece é que não podemos abrir mão da tecnologia sem fraudarmos a expectativa de quem nasceu nessa época maravilhosa em que a medicina foi agraciada com avanços impensáveis há poucos anos. O que não justifica que um médico ingênuo ou mal-intencionado esteja autorizado a imaginar que a parafernália disponível possa dispensar a figura pessoal do médico. Essa subversão do entendimento tornaria insuportavelmente cruel a experiência de adoecer entre robôs superequipados apenas de inteligência artificial.
Um amigo médico famoso encheu a tela do computador de pura emoção ao relatar, numa das sessões do nosso Curso de Medicina da Pessoa, a sua experiência de uma primeira consulta, rodeada de medo e fantasia de morte, com um especialista de um grande centro, que na despedida sintetizou em duas palavras o que todo o paciente assustado persegue, e um computador de última geração nunca tomaria a iniciativa de oferecer: "Estamos juntos".
Uma frase curta mas com uma dimensão que só consegue avaliar quem precisa que alguém esteja ao alcance da mão. Porque é assim que somos e seremos: aterrorizados, não conseguimos ser mais do que carentes.