"A dor é temporária, mas resistir a ela dura para sempre." (Lance Armstrong)
No passado, era impossível a divulgação instantânea de tudo o que acontecia com alguém que adoeceu. Órgãos e queixas eram consideradas propriedades do sofredor, apto ou não a resolvê-los sozinho. A emissão de cartas abertas aos veículos de divulgação, contando de suas aflições, soaria muito estranho, porque afinal as dores eram resultantes do drama de uma pessoa só.
Os de temperamento mais recatados até recomendavam que não devíamos compartilhar nossos problemas com os que não tinham como ajudar, porque isso muitas vezes pareceria matéria de fofoca para pessoas emocionalmente descomprometidas. Um velho tio, tão inteligente quando debochado, defendia que um comportamento mais introspectivo na adversidade era o melhor jeito de evitar tristeza antecipada dos amigos ou alegria exagerada dos desafetos.
Em décadas passadas, uma importante preocupação de ordem emocional era evitar julgamentos cruéis diante de diagnósticos de certas enfermidades reveladoras de determinados comportamentos sexuais, como aids, ou doenças preconceituosamente consideradas incuráveis, como o câncer.
Muitos fãs colocam seus ídolos como propriedade privada e exigem compartilhamento em tempo real de tudo o que acontece com eles.
Na virada do século, ao lado da festejada qualificação técnica da medicina com crescente potencial curativo diante de doenças antes tidas como fatais, surgiu por força da racionalidade a medicina preventiva, na medida em que se tomou conhecimento do quanto uma simples informação contida na divulgação podia contribuir para a redução de determinadas doenças. Campanhas para prevenção de doenças sexualmente transmissíveis e a doutrinação antitabagismo são exemplos exitosos desse processo.
Claro que as redes sociais não podiam ficar ao largo dessa nova realidade, e imiscuíram-se de tal forma no cotidiano da sociedade que acabaram por despertar comportamentos insuspeitados, que passaram rapidamente de curiosa novidade à intransferível obrigação. A ponto de pessoas famosas se sentirem pressionadas a contribuir para a desmistificação de determinadas doenças ou comportamentos, divulgando o passo a passo de sua experiência sofrida. O que inegavelmente trouxe benefícios para a população geral, tão carente de informação.
No entanto, alguns exageros, carentes de bom senso, se tornaram evidentes: muitos fãs colocam seus ídolos como propriedade privada, e no imaginário da sua fantasia exigem compartilhamento, em tempo real, de tudo o que acontece com eles.
Kate Middleton, a princesa de Gales, vivendo a experiência devastadora de descobrir-se com câncer aos 42 anos de idade, e mãe de três filhos pequenos, ignorou a cartilha. Comportou-se como uma pessoa dolorosamente normal, e certamente mergulhada em perplexidade e sofrimento tomou para si um período de reclusão, para uma clara e justa introspecção de quem se sentiu ameaçada, e numa idade em que morrer não faz o menor sentido entre os nobres, igualzinho aos plebeus. No vídeo, que gravou três meses depois da confirmação do câncer, transparece tanta coragem, dignidade, maturidade e resiliência, que abstraindo-se o encanto pessoal que derreteria a coroa de qualquer príncipe ainda lhe sobram atributos para mantê-la no ponto mais alto do pódio da nobreza.
A mim, comoveu-me especialmente a revelação do quanto sofreu para encontrar um jeito de contar aos filhotes o que estava acontecendo.
Pois essa criatura sofreu pesadas críticas, mormente por ter-se mantido em longo silêncio. Certamente remoendo umas tais dores que, desprovidas de critérios de escolha, saem por aí, a doer, sem poupar ninguém.
Entre os algozes mais agressivos, certamente estarão sempre os insensíveis, esses que diante de qualquer minúsculo problema pessoal inundam as redes com detalhes que não impactam ninguém, exceto àqueles que entenderão as queixas rasas como protesto pela insignificância indesejada.