A melhor definição de medo vem de Mark Twain: "Os piores problemas que tive em minha vida nunca ocorreram".
Ter medo foi, sem dúvida, a grande lição que a minha geração aprendeu nessas últimas décadas. E na contramão da inteligência que nos encanta, o nosso medo não tem nada de artificial. É real, e sufoca.
Dando-se o tempo de revisitar o passado, percebemos o quanto vivíamos com mais espontaneidade, e era tão natural que fosse assim, que ninguém valorizava esta liberdade, porque simplesmente não tínhamos ideia da maravilha que era e do quanto o futuro nos reservava de perda.
Os pobres pais, antes classificados como exagerados e opressores, hoje são reconhecidos como prudentes e realistas.
Circulávamos por todos os lugares sem nenhuma preocupação se era dia ou noite, porque isso não fazia a menor diferença. Como seres naturalmente gregários, andávamos em bandos pela mais inocente das razões: quanto mais parceiros, mais companhia disponível para brincadeira, deboche e zoação.
Hoje, as crianças trocaram as brincadeiras na calçada pela solidão segura e insossa das redes sociais, enquanto os adolescentes, antes de pisar na rua, já são alertados que este é o lugar onde mora o perigo, que o solitário é a vítima preferencial, e que o bando, antes de ser parceria, é um escudo protetor.
Como consequência, os jovens se divertem menos, enquanto os pais, pressionados pela necessidade intransferível de dar ao filho a liberdade de descobrir-se capaz de enfrentar o mundo, fingem naturalidade enquanto veem TV sem prestar atenção, e depois, constritos de angústia, aguardam que a última luz do quarto das "crianças" se apague para que eles possam dormir aliviados, por mais uma madrugada sem sobressaltos.
Os pobres pais, antes classificados como exagerados e opressores, hoje são reconhecidos como prudentes e realistas. A tentativa de proteger as crias servindo-se da tecnologia disponível explica a quantidade de pimpolhos carregando, com algum deslumbramento, os seus celulares modernos que têm, em princípio, a função de substituírem os braços longos e os olhos atentos de pais assustados.
Claro que é bom tê-los ao alcance de um chamado, e por essa vantagem ignora-se que o porte desses objetos de cobiça aumenta a chance de exposição ao assalto e a experiência inesquecível de conviver com a sensação de impotência que provamos quando somos assaltados. Sem contar a ansiedade que aperta a garganta dos pais toda vez que uma ligação não é prontamente atendida.
O noticiário cotidiano com latrocínios, lutas entre facções do tráfico e um festival de balas perdidas banalizou a morte e instituiu o círculo vicioso do medo. Na verdade, todos estamos assombrados com o rumo que a vida moderna assume, pautada pela arbitrariedade, regida pela violência e estimulada pela impunidade.
Mais temerosa está a minha geração, que provou a leveza de viver sem mordaças, muros altos, cercas elétricas, alarmes, cães de guarda e serviços de vigilância, antes da chegada implacável dessa epidemia, onde até a desconfiança no sistema nos constrange e desespera, porque prenuncia o mais irresgatável de todos os medos: o de ser feliz.