Depois que descobrimos, com alguma euforia proporcional à qualidade de vida que temos, que viveríamos mais, pareceu óbvia a preocupação com viver melhor, para que a longevidade não signifique uma punição.
Na relação a dois, nada garante mais a durabilidade amistosa do que o senso de humor recíproco, no qual o deboche carinhoso tem um papel essencial.
Os dois velhinhos caminhavam no calçadão à beira-mar, com pausas regulares, aproveitadas sempre que havia um banco disponível. Visto à distância, a retração do fundilho da bermuda dele significava atrofia dos glúteos que, segundo os fisiatras, explica pelo menos em parte a instabilidade da marcha na velhice.
Nenhum dos dois me pareceu capaz de sobreviver à última dor, aquela que Rubem Alves chamou de a dor da solidão.
Enquanto isso, ela, tão velha quanto, lhe oferecia uma mão de força duvidosa. De qualquer maneira, não havia por perto uma bengala mais carinhosa. Trocavam mais olhares do que palavras, porque estavam naquela fase do convívio em que estas são quase sempre dispensáveis.
Cerimoniosos, pediram licença e sentaram, de costas para mim, num desses bancos de praia que têm assentos para os dois lados.
Não sei se eles tomariam a iniciativa, acho que não, mas não resisti puxar conversa depois de ter assistido à troca mútua de protetor solar, carinhosamente espalhado a preencher os sulcos da pele enrugada.
Quando ele já concluía a operação, ela reclamou: "Já parou? Ah, meu velho, mais um pouquinho, o frescor desse creme com esse ventinho...". E ele recomeçou com um elogio: "Sempre gostei da curva dos teus ombros".
Mesmo sabendo impossível a maravilha de poder adotar esse par de avós amorosos, quis saber um pouco mais de como seria se fosse possível tê-los: "Vocês moram aqui?".
Ela sorriu para ele antes de responder: "Quase, sim. Na verdade, a gente tem casa a uma hora daqui, mas todo mês, sempre bate uma saudade do cheiro do mar, e o Nicolau pega o nosso carrinho, e fugimos pra cá".
Encantado com a autonomia da dupla, comentei: "Que bom que o senhor ainda dirige!". Ela deu uma gargalhada: "E sem carteira, desde 2009". E ele, meio emburrado: "Não precisava ter contado isso!".
"Calma, meu velhinho. Eu ainda nem contei por que você desistiu da carteira!!"
Então foi a vez dele interromper: "Não adianta, se eu não contar, ela não vai desistir, então lá vai: eu tentei o raio da carteira, mas nas cinco vezes derrubei as balizas na hora de estacionar!".
Ela, em pé, aplaudiu a confissão e deu-lhe a mão para ajudá-lo a levantar. Abanaram a uns 10 metros adiante e retomaram a caminhada. Riam muito.
Nada protege melhor do isolamento da velhice do que a disponibilidade de uma parceria amorosa. E, de preferência, debochada.
Agora só resta-nos torcer que o destino os mantenha juntos, por muito tempo. Nenhum dos dois me pareceu capaz de sobreviver à última dor, aquela que Rubem Alves chamou de a dor da solidão.