"Nossos ancestrais fizeram do mundo o que ele é. Cabe a nós decidirmos no que ele se tornará." (Yuval Noah Harari)
A preocupação com qualidade passou a ser vista como uma condição distintiva de marcas e empresas dos mais variados ramos da atividade humana. A busca de qualificação foi rapidamente incorporada ao marketing de qualquer corporação, como unanimidade. E ninguém precisou explicar esta exigência, de tão óbvia que é.
Ora, se todo mundo está convencido de que a busca da excelência é fundamental, precisamos uma pausa para reflexão sobre a diferença de reação quando uma entidade médica se mostra preocupada com o baixo nível de proficiência dos profissionais admitidos no mercado. Sejam os de origem interna, na crítica que se faz às escolas de baixo nível, ou das absurdas importações de médicos de procedência duvidosa, e autorizados, sem nenhum exame de competência para o cuidado da vida das pessoas — até nova ordem, o nosso bem mais valioso.
A acusação mais reiterada é de que médicos são corporativistas e sem preocupação com a população mais pobre.
A acusação mais reiterada é de que médicos são corporativistas e sem nenhuma preocupação com a população mais pobre, habitante das localidades mais remotas.
As manifestações oficiais de desapreço pela categoria médica são tão recorrentes quanto ridículas, como, por exemplo, a de que os médicos brasileiros só querem trabalhar na Avenida Paulista, uma declaração tendenciosa e infeliz de alguém sem noção do que significa ser médico, claramente baseada em uma particularíssima experiência pessoal, onerosa e inimaginável para 99,9% dos brasileiros.
Como não há preocupação com o contraponto, porque julgamentos isentos poderiam enfraquecer a intenção de depreciar a nobre profissão, ninguém se dá ao trabalho de ouvir as histórias de desespero de médicos jovens, egressos de rincões remotos, atormentados pelo convívio diário com mortes evitáveis, na ausência dos mínimos recursos assistenciais. E ninguém duvide da intensidade do sofrimento deste exercício reiterado de impotência.
A aberração mais repetida é de que devemos formar mais e mais médicos, quando o racional seria oferecer condições de trabalho adequadas e progressão de carreira para os 35 mil novos formandos a cada ano, que, de outra forma, ficarão tentando sobreviver na periferia dos grandes centros. E com salários humilhantes para quem gastou a época dourada da vida no curso universitário que só os corajosos e determinados ousam encarar.
Confirmando que sempre é possível piorar, transita no Congresso Nacional a sandice que propõe admitir todos os médicos brasileiros formados no estrangeiro, sem nenhuma preocupação com revalidação de diploma.
Como se sabe que existem escolas médicas de qualidade muito duvidosa em países sul-americanos dedicados a formar, a peso de ouro, brasileiros incapazes de ultrapassar a barreira do vestibular no Brasil, essa medida assemelha-se a abrir a porteira para passar a boiada. Uma decisão tão criticada em gestão recente, a propósito de uma situação diferente, mas igualmente constrangedora.
Que, por coerência e dignidade, não pode ser reprisada.