
"A compaixão é que nos torna verdadeiramente humanos" (Anatole France)
Algumas escolas de formação profissional, e entre estas muito especialmente as faculdades de Medicina, têm revelado uma crescente preocupação em estimular a inteligência emocional dos seus formandos, convencidos de que essa qualificação significará um requinte no desempenho profissional futuro.
A estratégia mais aceita como capaz de estimular a sensibilidade é através das artes, baseado na observação de que o convívio com qualquer tipo de arte humaniza. Teremos feito um grande avanço quando houver o consenso de que, quando nos emocionamos assistindo a um filme, uma peça de teatro ou um concerto musical, saímos da sala de espetáculos mais sensíveis e mais humanos.
Toscos e psicopatas
Claro que existem tipos que estão naturalmente excluídos dessa tentativa sofisticada de sensibilização. Entre esses, no lado benigno do espectro, estão os toscos, criminosamente privados do acesso ao que a vida tem de melhor, vitimados por uma disparidade social desumana, excludente e cruel.
No extremo maligno, estão os psicopatas que não seriam o que são se a empatia estivesse ao alcance das suas mentes distorcidas. E choca mais perceber que tais monstrengos estão muitas vezes nas classes sociais mais altas, desfilando uma empáfia de quem é o que é porque decidiu ser assim.
A falta de solidariedade com o sofrimento alheio choca em qualquer circunstância, mas muito mais quando os autores da vilania estão entre os que deviam ser os baluartes na defesa intransigente dos pacientes, essas criaturas selecionadas aleatoriamente pelo destino para uma vida que não escolheriam, se escolher fosse possível.
Essas meninas não carregam no DNA a noção elementar do que faz um médico
Não por outra razão, viralizou tão rapidamente o vídeo de duas estudantes de uma das melhores escolas médicas do país que resolveram usar o TikTok para divulgar a história de uma moça, da mesma idade delas, que nasceu com um defeito cardíaco com qual se estimava uma sobrevida máxima de duas semanas, mas que, enfrentando bravamente três transplantes cardíacos e um transplante de rim, chegou aos 26 anos de idade esbanjando resiliência e coragem. E ainda carregando o sonho impossível de um dia ser médica para cuidar dos seus pacientes tal como tinha sido, tantas vezes, cuidada.
Duas mortes
Quem tivesse qualquer resíduo de empatia não conseguiria contar esta história sem condoer-se do destino de um ser humano que, por insondáveis razões, tomara o lugar que poderia ter sido nosso naquele calvário que merecia no mínimo respeito pela bravura e vontade de viver. Quando a vida desistiu dela, porém, recebeu, entre risos idiotas, um comentário debochado e atroz: "Essa garota parecia acreditar que tinha sete vidas!!".
Como essa atitude transcende a eventual hipótese de imaturidade das protagonistas, este triste episódio encerra duas mortes: o fim da vida de uma jovem que exauriu a esperança de ser feliz e a chance dessas meninas alienadas de serem médicas capazes de cuidar de pessoas, porque não carregam no DNA a noção elementar de que a arte de proteger o sofredor é um exercício contínuo e delicado de afeto e compaixão. E, como se sabe, na falta desses quesitos não há improvisação.