A intenção dessa crônica é convocar à reflexão todos os que têm a responsabilidade de ensinar. Seja como pais ou professores.
Duas histórias contrastantes:
1) Numa das nossas escolas médicas, um professor reconhecido e respeitado por sua dedicação ensinava no simulador, a um grupo de alunos, a técnica de intubação traqueal, um procedimento muito frequente em emergências, quando há necessidade de ressuscitação. Enquanto isso, um aluno completamente alienado digitava no celular.
Nenhum médico pode renunciar a procedimentos básicos para salvar pacientes em situação de emergência.
Quando o professor chamou-lhe a atenção, ele assumiu que não tinha interesse nessas técnicas porque seu avô e seu pai eram donos de uma grande clínica de radiologia, e que era isso que ele ia queria fazer da sua vida. Quando o professor o repreendeu, dizendo que nenhum médico tinha o direito de renunciar a procedimentos básicos para salvar pacientes em situação de emergência, fosse qual fosse a especialidade, ele se retirou, ofendido.
Dias depois, o professor foi chamado pela direção da escola e advertido que sua atitude gerara protestos da família alegando que o rebento tinha sofrido danos morais. Indignado, o professor se demitiu.
2) Enquanto isso, no interior de Sergipe, um professor tomou o celular de um garoto que, apesar de advertido, seguia indiferente ouvindo música pelos fones de ouvido.
O estudante foi representado por sua mãe, que pleiteou "reparação por danos morais diante do sentimento de impotência e revolta, além de um enorme desgaste físico e emocional".
Na negativa, o juiz afirmou que "o professor é o indivíduo vocacionado a tirar outro indivíduo das trevas da ignorância, da escuridão, para as luzes do conhecimento, dignificando-o como pessoa que pensa e existe".
O magistrado se solidarizou com o professor e disse que "ensinar era um sacerdócio e uma recompensa, ainda que hoje pareça um carma". E declarou: "Julgar procedente esta demanda seria desferir uma bofetada na reserva moral e educacional deste país, privilegiando a alienação e a contra-educação das novelas, dos realitys shows, da ostentação, do bullying intelectivo, do ócio improdutivo, enfim, toda a massa intelectivamente improdutiva que vem assolando os lares do país, fazendo às vezes de educadores, ensinando falsos valores e implodindo a educação brasileira".
Agora, caro leitor, a convocação: vista a sua toga imaginária e decida qual atitude define melhor a fronteira entre o direito e o dever de cada jovem em formação, este que é o eterno dilema para quem exerça a nobre função de educar: impor limites, sem tolher a criatividade.