“Sinto tanta raiva que amar parece errado”. É com esse verso, seguido de um solo de jazz, que Baco Exu do Blues abre seu novo álbum. Sem “bom mocismo” e o politicamente correto, Baco versa sobre o amor, o sexo e a autoestima negra com delicadeza e furor. O erotismo e o desejo, marcas dos álbuns anteriores, voltam com força em Quantas Vezes Você Já Foi Amado?. Baco traz nas canções referências como Gal Costa, Caetano Veloso, Vinicius de Moraes e Originais do Samba.
Com inteligência musical e rara sensibilidade para tratar de temas contemporâneos, sem cair em clichês e melodias baratas, as letras revelam a passionalidade e a complexidade das relações amorosas como nas faixas 20 Ligações, Samba in Paris ou Sei Partir. “Não me prometa se não vai cumprir/Se for só uma noite, tudo bem/ Eu não sou frágil, mas eu sei partir/Não dependo de ninguém”.
A música Autoestima, talvez a mais impactante do álbum, representa o sentimento da população negra quanto a sua autoimagem: “Foram vinte e cinco anos pra eu me achar lindo”. E depois arremata com: “Sempre tive o mesmo rosto/A moda que mudou de gosto/E agora querem que eu entenda/Seu afeto repentino”. Ou ainda na faixa Imortais e Fatais 2, em que fala com delicadeza sobre o amor ou a falta dele: “Isso é sobre carinho, afeto, crença ou a falta disso tudo/ É sobre todos que viveram sozinhos/ E quando foram amados não sabiam o que fazer”. A letra é tocante porque fala justamente para homens e mulheres negros que nunca foram “bonitos” ou “desejáveis” porque não atendiam aos padrões e que quando são amados não sabem como lidar.
O álbum de Baco é uma joia rara da MPB. Em tempos de ódio dirigido à população negra, suas canções nos oferecem um pouco de alento e amor. E como na música Lágrimas Negras em que o rapper sampleia Gal Costa: “Beleza são coisas acesas por dentro”, saímos todos reflexivos e iluminados por dentro após escutá-lo.
E o que fica, depois de tudo, é a inquietante pergunta: quantas vezes você já foi amado?