Após quatro anos de pesquisa e imersão na literatura brasileira e no cancioneiro brasileiro, o cantor e compositor Rubel lança um disco duplo, As Palavras, de 20 faixas. O álbum impressiona porque traça um panorama do melhor da música popular brasileira contemporânea, trazendo um diálogo vigoroso, lírico e delicado com diferentes estilos e artistas. As parcerias vão desde Milton Nascimento à MC Carol. As músicas apresentam uma sofisticação experimental sem com isso perder o caráter popular.
Caso da faixa Posso Dizer, que mistura elementos do samba e do pagode moderno, numa levada popular: “O imprevisto é esperto, ele não deixa hora marcada/ Debaixo do braço eu carrego um dom, que é a fé/ Mas deixa/ O amor não tem pressa, ele às vezes demora”. A letra traz uma reflexão singela, mas profunda, sobre o tempo do afeto e a necessidade da sua urgência.
O tema do amor também aparece na canção Grão de Areia, interpretada junto com Xande de Pilares. A música se inicia com o som de uma sanfona e remete ao estilo caraterístico de Rubel para, logo a seguir, se transformar num samba/pagode: “Te vejo, te sinto, te cheiro até num grão de areia/ E o mundo revela o teu rosto em todo lugar/ Eu tento esquecer o teu beijo até de brincadeira/ Mas minha boca insiste, a tua boca é o meu lugar”.
A segunda parte do disco traz canções mais tradicionais, embora seja perceptível a intenção de diluir as fronteiras entre o erudito e o popular, entre o funk e o som mais experimental, por exemplo. Tal intenção revela uma inteligência na construção do álbum que demostra que a MPB se constitui com seus contrastes, semelhanças e diversidade. A canção interpretada por Milton e Rubel, Lua de Garrafa, inspirada no Clube da Esquina, é uma pequena pérola da música contemporânea.
Chama a atenção também a faixa Torto Arado, adaptada do livro homônimo de Itamar Vieira Junior. A canção interpretada por Luedji Luna e Liniker é um dos pontos altos do álbum, o que deixa bastante nítida a intenção pela palavra que dá título ao disco. Importante que Rubel tenha trazido literatura para dentro das composições. Pensando num país em que não há uma tradição de leitura de livros, a canção ocupa este espaço de nossa educação sentimental e estética.
Além disso, vale a pena conferir a interpretação magistral de Dora Morelenbaum, cantando a capela a canção Assum Preto. É sem dúvidas um dos momentos mais comoventes e poéticos do disco e que revela que a música brasileira anda mais viva e pulsante do que nunca.