Eu nunca tive gatos, mas é como se os tivesse. Digo isso porque tenho uma quantidade considerável de amigos gateiros. Pessoas próximas que me colocaram em contato com seus felinos e me fizeram, de certo modo, compreender o sentimento forte e sincero por eles. Há poucos dias, terminei de ler O Gato Perdido, da escritora norte-americana Mary Gaitskill (editora Todavia). Trata-se de um relato de como a autora resgatou um gato de rua na Itália.
Durante todos esses anos, conheci muitos gatos e sempre me chamou a atenção os nomes que seus donos escolhiam para eles: Preta, Arruda, Pemba, Sporcopos, Morena, Melancia, Norma, Shialoh, Rara, Jeronimo, Tannat e tantos outros.
No ano passado, passei uma temporada nos EUA. Fiquei hospedado numa casa com dois gatos: o Shialoh e a Sweet. Eu dividia a casa com uma moça indiana chamada Gauri e com uma americana, a Helen. No início, os gatos me ignoravam.
Depois descobri que Sweet tinha câncer no intestino. Ela era esquálida, trêmula e frágil. Tinha dificuldade para comer porque tinha poucos dentes. Sweet se afeiçoou a mim, e eu a ela. Meu quarto ficava no terceiro andar. Então ela subia dois lances com dificuldades para deitar-se na minha cama. Aquele esforço dela me comovia.
Às vezes, quando eu passava o final de semana fora, Gauri me dizia que Sweet ficava os dias no meu quarto. Passei a sentir um tipo de afeto que até então desconhecia. Com o livro de Gaitskill compreendi melhor. Em dado momento, ela escreve: “O amor humano é terrivelmente falho (...) é difícil proteger do sofrimento alguém que amamos porque as pessoas frequentemente escolhem sofrer (...) Um animal nunca escolhe o sofrimento; um animal aceita o amor”.
Antes de eu regressar ao Brasil, Sweet morreu. O veterinário disse que ela estava sofrendo, e Helen decidiu pela eutanásia. Enterramos Sweet no quintal. Ficamos um tempo em silêncio diante daquele pequeno desaparecimento. Ninguém chorou, mas estávamos doídos e tristes.
Em seu livro, Gaitskill discute por que amamos esses bichinhos com tanta gravidade. Será que é justo sentir a morte de um gatinho dessa forma enquanto milhares de pessoas morrem todos os dias? Nossa dor é supérflua? Ela mesma responde: “é isso que me comove: não a grande ideia da tragédia, mas a pequenez e a ternura daquela criatura”.
No dia seguinte à morte de Sweet, acordei com barulho do ronronar dela. Tomei um susto. Me sentei na cama, olhei em volta. Não havia nada. Gauri depois me disse que o barulho era do aquecedor, mas eu quis acreditar que era Sweet, aninhada em peito.