Sempre estudei em escolas públicas e lembro das aulas de ensino religioso. Geralmente era uma disciplina dada por professores de qualquer área, mesmo que não tivessem nenhuma formação em teologia ou filosofia. O critério era definido por quem tinha carga horária suficiente para dar aquele conteúdo.
Do pouco que lembro, as discussões eram voltadas para a história e a doutrina católica, ou sobre a ideia de Deus, ou sobre as diversas religiões que compunham as sociedades desde o início dos tempos. No entanto, naqueles anos todos nos bancos escolares, não lembro de ter aulas ou discussões sobre as religiões de matriz africana. Não ouvia falar sobre os orixás e terreiros. Muito pelo contrário, falar sobre candomblé, umbanda ou batuque era motivo de vergonha e desaprovação.
Minha avó era mãe de santo e lembro de ela me dizer, certa vez, que eu precisava tomar cuidado, que não podia dizer na escola que ia num terreiro de umbanda. Depois, já na vida adulta, percebi como naturalizamos o racismo, a perseguição e a intolerância religiosa, principalmente nas religiões de matriz africana.
Por isso, é motivo de comemoração o projeto de lei sancionado pelo presidente Lula, já na primeira semana de governo, que institui o Dia Nacional das Tradições de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé. O dia escolhido foi o de 21 de março e que faz referência ao Dia Internacional contra a Discriminação Racial, proclamado pela ONU, em 1966. A data comemorativa foi proposta pelo deputado federal Vicente Paulo da Silva (PT). O texto já foi publicado no Diário Oficial e assinado também pelas ministras da Cultura, Margareth Menezes, e a da Igualdade Racial, Anielle Franco.
O projeto de lei é uma vitória contra a intolerância religiosa que assola as comunidades negras há séculos. Além disso, agressões contra praticantes dessas religiões têm sido recorrentes e em várias partes do país. Ou seja, há um processo histórico de criminalização das culturas e religiões africanas.
No Rio Grande do Sul, Estado onde se concentra um número expressivo de casas de umbanda e candomblé, vemos uma grande resistência em aceitar, por exemplo, o Dia da Consciência Negra, como feriado. Um Estado que ainda se orgulho de um hino racista. O que demonstra a importância de mais uma data que possa fazer a sociedade refletir sobre sua intolerância e seu racismo.
E lembremos que uma democracia só é plena quando reconhece e valoriza as culturas que compõem sua fundação. E certamente as religiões de matriz africana estão na origem de nossa história.