João, meu filho, já quis ser muitas coisas: poeta, químico e cientista de flores. Hoje ele está prestes a fazer 13 anos e disse que quer ser escritor. Achei uma escolha grave. E para provar que estava levando a ideia a sério, ele me mostrou um caderno, de capa dura, com folhas pautadas: olha, pai, aqui tá meu livro.
Perguntei se podia olhar. Ele consentiu. Abri o caderno. Me deparei com uma estrutura que me deixou surpreso. Na primeira página havia um prefácio, feito por ele mesmo. Depois, nas páginas seguintes, seus escritos estavam divididos em capítulos curtos. Com encadeamentos, frases de efeito e a descrição das personagens. Tudo escrito à mão. Me comovi. Não somente pelo que li, mas pela coragem dele. Porque escrever nunca é fácil.
Sempre muni meu filho com o que achava que era o melhor da literatura: Edgar Allan Poe, Fernando Pessoa, Salinger e Shakespeare. João sempre foi um bom leitor. Embora largasse muitas vezes os livros pela metade. Ou ignorasse minhas sugestões, ou ainda achasse chatas aquelas histórias numa linguagem formal e complexa. E não há nada pior do que alguém que desdenha uma indicação nossa. Certo dia, comprei para ele uma adaptação em quadrinhos do livro O Caminho de Swann, primeiro volume de Em Busca do Tempo Perdido, do Proust. Eu sabia que estava exagerando. Ele só tinha 10 anos. Mesmo assim, fiz o teste.
Para minha surpresa, João devorou o livro em alguns dias. Disse que havia gostado. Eu disse a ele que gostava de Proust porque ele tinha uma linguagem elegante. Na época, João não entendeu o que isso significava. No entanto, lendo seu caderno/livro, me deparei com a descrição de uma de suas personagens. Dizia o narrador: “era uma pessoa bonita e elegante”. Então perguntei ao João o que significava a palavra “elegante”. Ele respondeu que era uma pessoa que se vestia bem.
Senti que era o momento de conversamos. Disse a ele que a elegância era um valor. Um valor para além da roupa. Disse ainda que o significado de elegante era “fazer boas escolhas”. E que elegante é também alguém que escolhe ser gentil. Mesmo que o mundo nos exija a grosseria, a brutalidade e a violência, ainda é preciso escolher a gentileza, eu disse. Acho que João entendeu que o mundo e a escrita são difíceis e é preciso manter a elegância diante deles. Disse ainda que a gente precisa de coragem para manter nossa delicadeza.
Nesta última coluna do ano, eu e o João desejamos um 2023 com menos grosseria, com menos brutalidade e mais elegância e gentileza.