Os artistas e os poetas enxergam muito melhor a sociedade. Estão sempre um passo à frente de nós. Não que sejam videntes ou coisa parecida, mas porque olham para a vida de um outro modo, de outro jeito, num outro tom e num outro tempo.
Gilberto Gil é um desses artistas. Embora tenha chegado aos 80 anos, ele nunca envelhece. Gil se atualiza no tempo, recupera nossa delicadeza e nos comove. A vida não seria a mesma sem ele. Há um discurso neoliberal a nos dizer que ninguém é insubstituível. Creio que isto seja um grande engano. Artistas como ele jamais serão substituíveis. Gil é único.
Se Eu Quiser Falar com Deus é uma das canções mais bonitas que já ouvi. Depois dos ataques grosseiros que Gil recebeu de torcedores bolsonaristas, num estádio no Qatar, passei a escutá-la mais vezes. Foi meu protesto particular contra a barbárie que se instalou no Brasil. Esta barbárie cega e desmedida. Esta falta de respeito e de sensibilidade com os artistas. Atacar Gil é atacar a cultura brasileira.
Tenho a mania de escutar uma mesma música repetida várias vezes. Fico interpretando-a mentalmente. Fiz isso com a música de Gilberto Gil. Se Eu Quiser Falar com Deus é uma canção sobre a solidão e a humildade. Num Brasil que se evangelizou, e que colocou “Deus acima de todos”, a letra é uma reflexão profunda e honesta sobre a religiosidade. Nos coloca em contato com o divino de maneira respeitosa, filosófica e lírica.
Se Eu Quiser Falar com Deus nos aproxima do chão. Nos coloca diante de nossas fraquezas. É uma aula sobre a nossa precariedade existencial e a nossa estúpida soberba. Para se aproximar de Deus, é preciso estar reduzido a nada, diz a letra. É preciso baixar a guarda, ter as mãos vazias de orgulho. É assim que nos encontramos com Ele.
Se você quiser falar com Deus, a canção de Gil nos aponta o caminho. Deus não está no discurso de ódio. Nunca esteve. Me pergunto que país é esse em que nos metemos que estimula a violência e não o diálogo? Que tipo de relação com o outro estabelecemos e que é mediada pela necessidade de aniquilação?
Torço para que tenhamos aprendido algo com todo este processo político que privilegiou o discurso bélico. Costumo ser cético e, por vezes, pessimista quando se trata dos caminhos que estamos tomando enquanto sociedade. Entretanto, acredito que os artistas e os poetas sempre têm razão. Artistas como Gilberto Gil são nossos faróis. Iluminam não só as nossas mentes, mas os caminhos que trilhamos. Viva Gilberto Gil.