Sim, a Copa do Mundo chegou e nem vimos muito bem como isso aconteceu. Não estamos animados. As ruas não estão enfeitadas, e a Copa parece ter perdido a importância no Brasil. Era de se esperar. Viemos de dois grandes baques históricos: a pandemia e o processo eleitoral. Ambos os eventos nos deixaram baqueados. Um luto que ainda não acabou. Estamos num processo de reelaboração coletiva e psíquica.
O uso ufanista e nacionalista da camisa da Seleção Brasileira pelo bolsonarismo tornou-a mais distante dos brasileiros. Nem mesmo o futebol, que move paixões nacionais, é capaz de trazer de volta seu significado neste momento. Mesmo que o Brasil traga o hexa, seu valor simbólico foi sequestrado por uma parcela de eleitores bolsonaristas e levará tempo para recuperá-la.
Usar a camiseta da Seleção publicamente, nos dias de hoje, significa pertencer a um imaginário golpista e ultradireitista. Mesmo entre a maioria daqueles que votaram em Bolsonaro e que não querem, de maneira alguma, ser confundidos com esses grupos radicais, que teimam em não aceitar o resultado das urnas.
Ninguém quer ser confundindo com os chamados “bolsominions” que vivem numa realidade paralela, agarrados a para-brisas de caminhões, pedindo socorro na frente de quartéis ou solicitando ridiculamente providências extraterrestres. Aliás, a ridicularização desses grupos tem ganhado força nas redes. No entanto, por mais que esses atos ganhem tons piadistas ou anedóticos, não podemos esquecer que o fascismo se alimenta também do humor como estratégia, para parecer inofensivo e natural.
É preciso estar atento, pois esses movimentos golpistas não produzem apenas argumentos para memes, mas também ações terroristas, como ataques nas estradas e atos de violência pelo país. Alguns argumentam que é preciso recuperar o valor simbólico da camisa. Concordo. Mas não agora. Ainda temos uma ferida de ressentimento aberta. Não acho que estamos perto de uma pacificação, pois ainda vivemos no governo Bolsonaro, e tudo leva a crer que ainda teremos um período turbulento pela frente.
Quem perde com tudo isso é o processo democrático e a importância cultural e afetiva que o futebol tem na vida dos brasileiros. A camiseta da Seleção pertence à história do Brasil. No entanto, enquanto ela estiver associada às manifestações golpistas, estaremos longe de sentir orgulho dela novamente.