Eu queria ser um livro. Carregar certas palavras e frases que morassem dentro de mim. Ser constituído de parágrafos, capítulos, diálogos, tinta e papel. Eu queria ser um livro para explicar a origem das coisas. Eu queria ser um livro para me aproximar das pessoas e compreendê-las. Eu queria ser um livro para aprender a lidar melhor com a solidão. Diante de um livro eu sou eu, mas também sou muitos.
Lendo, eu assumo os personagens e seus pontos de vista. Lendo eu sou Ponciá, Quixote e Riobaldo. O livro é a nossa possibilidade de estar só em comunhão com as palavras. Eu queria ser um livro para exercer a minha falta de habilidade social. Eu queria ser um livro para ser lido e interpretado com delicadeza e incompreensão. Eu queria ser um livro para aprender com a complexidade do contraditório. Eu queria ter uma estante para morar. Ter uma biblioteca como mundo.
Eu queria ser um livro para aprender com silêncio. Eu queria ser um livro para agradecer tudo que os livros me deram. Tudo o que me tornei, eu devo aos livros. Eu queria ter sido um livro de Machado de Assis. Causar espanto e assombro diante da nossa maneira de ser. Eu queria ter sido um livro de Clarice Lispector e viver de epifanias em epifanias.
É por isso que escrevo, para me aproximar de um livro. Pois já que não posso sê-lo em toda a sua integridade, escrevo para chegar perto. Escrevo para afagar as palavras. Pois eu luto com elas. Durmo com elas. Acordo com elas.
Eu queria ser um livro para ser uma síntese complexa da natureza humana. Eu queria ser um livro para não ter que lembrar. É que um livro nunca esquece. Porque todas as palavras estão lá, aguardando o momento de serem lidas e existirem para alguém. Quando leio, quero guardar todas as páginas que li. É por isso que risco frases, dobro páginas, amasso as capas e falo com os livros. Porque crio uma relação com eles. Discuto, discordo e me identifico.
Eu queria ser um livro para conhecer o modo que cada pessoa lê. Saber em que página ela desiste de continuar, em que página ela ri, que palavra ela guarda para si. Conhecer que frase ou palavra faz ela levantar os olhos e refletir. Queria ser um livro para saber o que faz um leitor chorar.
Esta crônica é minha maneira de dizer que os livros importam. E ao mesmo tempo um convite para valorizá-los. Um estímulo à leitura. Então, neste final de ano, um simples pedido: dê um livro de presente. Os livros agradecem e os leitores também.