“Quem, meu caro senhor, quem se deitará no chão por nós?” A frase pertence ao livro A Queda, de Albert Camus. Na obra, um dos personagens relata a história de um homem cujo amigo havia sido preso e que, em solidariedade a este amigo, deitava-se no chão todas as noites.
A imagem é bonita. No entanto, em tempos modernos, nossa falta de tempo por vezes nos afasta dos amigos. Com a pandemia, isso se agravou. Quantos de nós não temos aquele amigo do qual nos distanciamos por força do isolamento, do trabalho, da vida corrida, mas que basta uma mensagem, um telefonema, um encontro para que tudo se regenere, e a amizade regresse, com força e beleza, como se o tempo não tivesse força o suficiente para apagá-la?
Amigos verdadeiros são especialistas em perdoar nossas ausências. Os amigos insistem. São duros na queda. Mesmo quando estamos em débito de atenção com eles. Certa vez, por força das circunstâncias, fiquei por meses sem responder mensagens, e-mails e telefonemas de um amigo, então, um dia, quando finalmente nos encontramos, perguntei, envergonhado, por que não havia desistido de mim, ao que ele me respondeu que só pararia de me procurar quando eu lhe dissesse, pessoalmente, que não queria mais vê-lo. Talvez ali eu tivesse entendido que amizade é algo que se aprende.
A amizade é matéria de salvação, já dizia Clarice Lispector no conto Uma Amizade Sincera. Em tempos de isolamento, sofrimento e lutos diários, são os amigos que nos salvam. Salvar um amigo nos torna mais humanos. No entanto, talvez a amizade mais sincera seja aquela em que os amigos partilham dos momentos felizes, partilham do sentimento de conquista do outro, um sentimento de alegria e regozijo diante do êxito. Um sentimento que vai além da competição, da inveja e da frustração. Algo que é genuíno e espontâneo.
Examinemos nossas relações de amizade e nos perguntemos: quantas vezes nos sentimos felizes com o sucesso de um amigo? A frase de Camus é boa, é ética e humana, mas talvez a melhor pergunta para uma amizade sincera seja: “Quem festejará conosco nossas conquistas?”